domingo, 17 de outubro de 2010

Psychopath Check List - Revised

O psicólogo canadense, Robert Hare, desenvolveu uma escala para avaliar o transtorno de personalidade antissocial vulgarmente chamada de "psicopatia". A escala PCL-R (Psychopath Check List - Revised) possui os seguintes critérios:


1) loquacidade/charme superficial;

2) autoestima inflada;

3) necessidade de estimulação/tendência ao tédio;

4) mentira patológica;

5) controle/manipulação;

6) falta de remorso ou culpa;

7) afeto superficial;

8) insensibilidade/falta de empatia;

9) estilo de vida parasitário;

10) frágil controle comportamental;

11) comportamento sexual promíscuo;

12) problemas comportamentais precoces;

13) falta de metas realísticas em longo prazo;

14) impulsividade;

15) irresponsabilidade;

16) falha em assumir a responsabilidade pelos próprios atos;

17) muitos relacionamentos conjugais de curta duração;

18) delinqüência juvenil;

19) revogação de liberdade condicional e

20) versatilidade criminal.


OBS.: O teste somente deve ser aplicado por especialistas e indica tendências, necessitando de outras análises. Não basta uma mera identificação com os critérios acima para se julgar alguém como "psicopata".


Fonte: www.scielo.br/pdf/rbp/v28s2/04.pdf

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro

No segundo episódio de Tropa de Elite, José Padilha (o diretor), Rodrigo Pimentel (ex-comandante do BOPE e corroteirista) e Bráulio Mantovani tentam se livrar do fantasma do adjeitivo "fascista" associado ao filme na Europa. Para quem não entendeu a reação europeia e pensou ser mais uma discriminação devido ao filme ser brasileiro é só se colocar no lugar de um europeu, o qual viveu a 2a Guerra Mundial: quem se vestia de preto, possuía uma caveira como símbolo e invadia as casas, matando quem encontrassem pela frente? Entendeu? Bem, para quem não se lembra da história mundial, o BOPE tem bastante similiridade com a GESTAPO (polícia secreta de Hitler). E para quem ache forçada a comparação, por ter sido o regime nazista baseado no racismo, qual é a etnia da maioria dos moradores das comunidades carentes? Daí a reação europeia.

No segundo episódio os roteiristas politizam a temática do filme. Dessa vez o problema não é apenas o narcotráfico, mas a própria estrutura política do país, a qual sustenta todas as formas de corrupção. E o agora tenente-coronel Nascimento é apenas uma consequência dessa estrutura. Embora eu tenha gostado mais desse episódio do que do primeiro, a ideia de toda a estrutura política ser a causa dos nossos problemas não é nova. Mas o que mais me chamou a atenção é que o defensor dos direitos humanos no filme, a quem o tenente-coronel Nascimento tanto atacava, será o único em quem ele realmente poderá confiar. Apesar da ingenuidade política do personagem, sua visão linear da realidade, sua tendência fascista acobertada por uma população cuja cultura tem forte viés autoritário, o coronel Nascimento acaba finalmente entendendo o que os defensores dos direitos humanos tanto denunciam: não se resolve os problemas da desigualdade com mais desigualdade, nem com um aparato policial treinado, estritamente, para matar as classes subalternas; a questão é muito mais profunda e muito mais complexa do que o combate ao crime organizado nas áreas menos favorecidas.

O filme põe o dedo em uma ferida de muito difícil cicatrização. Se a sociedade de um país quiser resolver os seus problemas sociais, a mera policialização não será a solução, ainda que seduza as classes mais favorecidas por serem elas as menos afetadas por esse tipo de "resposta" aos problemas sociais.

Na sala onde assisti ao filme todos saíram em silêncio. O ar ficou pesado ao final do filme. Como definiu a colega de trabalho de minha esposa: "O filme é um soco no estômago". Será?

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O valor da Filosofia

É recorrente a questão sobre o valor da Filosofia enquanto saber. Isso por pensarmos o valor do saber desde que associado à prática ou ao fazer algo. É recorrente a ideia de a crítica ser ineficaz e, portanto, desnecessária, sendo a ação o que realmente importa. Será isso verdade?

O Prof. Vitor Guerreiro (Universidade do Porto) demonstra o porquê dessa desvalorização do saber filosófico em detrimento de um pretenso saber prático.


Para que serve a filosofia?


Vítor Guerreiro
(Universidade do Porto)


Lembro-me de há vários anos ter visto um livro sobre as frases mais insensatas dos filósofos. A referência exacta não é realmente importante. Nesse livro citava-se supostos exemplos das afirmações filosóficas mais insensatas. Uma delas, se não me engano (se estiver enganado tanto faz), era a “11.ª Tese sobre Feuerbach,” de Marx: “Os filósofos têm-se limitado a interpretar diversamente o mundo, a questão, porém, é transformá-lo.” Outra era um aforismo de Nietzsche que já não recordo. Também não é importante. Não estou directamente interessado em mostrar por que razões esta afirmação de Marx em particular é insensata (embora o faça depois), nem por que os aforismos de Nietzsche valem tanto quanto os aforismos opostos do grande e carismático filósofo inexistente Ehcsztein.

Estou mais interessado em desmontar outra ideia, da qual a tese de Marx é uma versão mais restrita — a ideia de que a filosofia não serve para coisa alguma. A diferença entre a tese de Marx e esta ideia é que podemos pensar que a filosofia é inútil sem pensarmos que é inútil por não ser uma “arma de arremesso” na transformação política da sociedade. Podemos ter outras motivações para pensar que a filosofia é inútil. Contudo, mostrar o que está errado na afirmação de Marx é uma boa maneira de compreender o que está errado no cepticismo acerca do valor da filosofia em geral.

A ideia da inutilidade da filosofia deve muito a uma tendência comum que as pessoas têm para pensar que aquilo a que dão mais importância é a única coisa que tem importância. Assim, é normal, mesmo na filosofia, as pessoas acharem que os problemas que mais lhes interessam são os únicos problemas relevantes. Uns acham que a filosofia política é que é, ao passo que a metafísica geral são só uns quebra-cabeças para entreter quem anda com a cabeça no ar e não vive neste mundo. Para outros, só os problemas acerca da linguagem são realmente importantes, ao passo que, digamos, a filosofia da arte é apenas um divertimento pueril (não é o “verdadeiro atletismo intelectual,” por assim dizer). Ora, é natural que o indivíduo com uma inclinação semelhante mas cujas preocupações não incluam qualquer destes problemas pense que a filosofia em bloco não serve para coisa alguma (“Por que perdes tempo a estudar essas coisas? Aprende antes a...”). No fundo, todas são manifestações da mesma atitude de desprezo para com aquilo que à primeira vista não nos parece relevante: um pouco como um engenheiro que considere irrelevante tudo o que não seja saber como fazer as pontes manterem-se de pé e os edifícios não desabarem em cima das pessoas, confundindo a importância destas coisas com a irrelevância daquelas.

No caso de Marx, a atitude não é particularmente sábia, uma vez que se queremos mudar o mundo, não será má ideia tentar compreendê-lo tão bem quanto possível. O próprio Marx passou anos a escrever O Capital, que é também uma “interpretação do mundo.” Na filosofia, como na ciência, a questão é saber quais das nossas interpretações são verdadeiras. Tanto a obra Sobre a Origem das Espécies, de Charles Darwin, como um ensaio sobre epistemologia ou metafísica são interpretações do mundo (ou de aspectos do mundo). Mas não é particularmente sábio apoucar a obra de Darwin por ser “apenas” uma interpretação do mundo, independentemente de a transformação política do mundo ser ou não um item na nossa lista de prioridades. Afinal, a reciclagem do lixo também pode estar na nossa lista de prioridades mas isso não diminui, só por si, a importância do teatro.

Neste ponto, um defensor do cepticismo acerca do valor da filosofia podia talvez alegar que enquanto a ciência nos ajuda realmente a compreender o mundo a filosofia não o faz. Mas nesse caso é irrelevante se a questão é ou não a de transformar o mundo. A questão é saber se a filosofia nos ajuda ou não a compreender melhor o mundo. O que fazemos depois com essa compreensão é outra coisa.

Mas permite a filosofia compreender melhor o mundo? Considere-se, por exemplo, a ideia de que tudo o que há para saber acerca do mundo só pode ser conhecido empiricamente. É evidente que não podemos conhecer empiricamente a verdade ou falsidade desta interpretação; só podemos descobrir essa verdade ou falsidade reflectindo intensamente sobre aquilo com que nos comprometem as interpretações do mundo que podemos justificadamente aceitar como verdadeiras. Ou seja, para saber se a filosofia nos ajuda a compreender melhor o mundo temos de fazer filosofia, visto que não podemos mostrar empiricamente o contrário.

Contudo, não vou insistir no carácter autoderrotante do cepticismo acerca do valor da filosofia, para o qual se chamou mais de uma vez a atenção em vários artigos aqui publicados. Não é só dando resposta aos problemas filosóficos fundamentais que a filosofia nos ajuda a compreender melhor o mundo. Se não pensarmos cuidadosamente, podemos ficar inicialmente muito impressionados com afirmações insustentáveis; ou podemos ser levados a aceitá-las ou rejeitá-las pelas razões erradas. Deparo-me frequentemente com situações que mostram como as pessoas podem beneficiar de uma formação filosófica elementar. Na sua maioria, estas situações dizem respeito à falta de formação no manuseamento de conceitos, incapacidade de formular claramente ideias e de compreender as suas relações, uso desastrado do léxico filosófico básico e confusões categoriais.

Eis apenas alguns exemplos que me ocorrem: confundir contingência com temporalidade; condições necessárias, com propriedades essenciais; metafísico, com imaterial; validade, com verdade; falacioso, com falso; expressão, com representação; abstracto, com conceptual; noções epistemológicas, com noções metafísicas. A lista poderia continuar. Assim, é fácil numa conversa tropeçarmos em inferências deste género: “Nasci português, portanto ser português é uma propriedade essencial minha.” Neste caso, confunde-se o que é essencial com a inalterabilidade do passado.

Outro aspecto importante é que a mera erudição não diminui a probabilidade de fazermos confusões deste género, se não beneficiarmos ao mesmo tempo de uma formação elementar em filosofia. Esta formação elementar não pode consistir apenas na leitura solitária de textos. Ler muitos textos de filosofia não nos ajudará a ter um pensamento mais organizado se não nos habituarmos a testar as nossas ideias discutindo com outras pessoas que se interessam pelos mesmos problemas. A mera erudição sem o hábito de testar argumentativamente as nossas ideias, em particular através da discussão intensa com outros, é o que leva por vezes mesmo alguns filósofos a fazerem afirmações bombásticas mas pouco sensatas. E se nós próprios não beneficiarmos dessa formação, seremos tentados ou a ignorar o que os filósofos disseram, ou a avaliá-los não pelo modo como defenderam argumentativamente as suas ideias, mas pelo maior ou menor poder sugestivo das suas afirmações, incluindo os aforismos menos sensatos mas muito bombásticos.

Mesmo que pensemos que a filosofia só interessa aos filósofos, a verdade é que usamos constantemente termos filosóficos e fazemos afirmações cujo âmbito é filosófico e não científico. Isto é inevitável. Não podemos deixar de pressupor e usar ideias acerca da natureza fundamental da realidade, da natureza do tempo, da identidade pessoal, do livre-arbítrio, do valor moral, do valor estético, da natureza do conhecimento ou da justificação das nossas crenças, entre vários outros tópicos que na filosofia são estudados de um modo sistemático e cuidado. Recusar a filosofia não é o mesmo que conseguir efectivamente eliminar os pressupostos filosóficos das nossas interpretações do mundo, tal como ignorar a ciência não nos salva de ter crenças falsas acerca de Marte. Em ambos os casos, apenas ficamos mais ignorantes.


Fonte: www.criticanarede.com

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Por que a genialidade é mais do que apenas algo inato

Eis um artigo fascinante e ao mesmo tempo polêmico. Fascinante porque desmitifica a ideia de gênios nascerem prontos. Polêmico porque mexe em um vespeiro de vaidades associadas ao conceito de genialidade inata. Vale a pena lê-lo com cuidado.


Receita para virar gênio: 10.000 horas de dedicação apaixonada


Sempre me irritei com a ideia de que existam superdotados, gênios fora-da-curva na população, muito superiores cognitivamente do que a maioria das pessoas. A razão dessa irritação é que eu nunca encontrei uma pessoa que pudesse realmente chamar de gênio. Pessoas cultas, inteligentes sim, mas gênio eu nunca vi.

Foi no meu primeiro ano de pós-doutoramento nos EUA que tive a oportunidade de conhecer cientistas que haviam feito descobertas importantes na biologia, as quais eu admirava. Entre eles, alguns prêmios Nobel. Era um encontro anual, promovido pela fundação Pew, que financiava minha bolsa na época. Iria me reunir pela primeira vez com gênios em potencial. Eu e outros brasileiros estávamos super ansiosos para o encontro.

A possibilidade de encontrar um gênio pela primeira vez me fez perder a timidez e conversar ativamente com diversas personalidades da academia americana, além dos concorridos prêmios Nobel. O sotaque curioso e o fato de ser brasileiro contribuíram para facilitar o entrosamento, afinal já chegamos rotulados de exóticos. Papo vem, papo vai, chego ao final do congresso decepcionado, pois nenhuma daquelas pessoas era um gênio para mim. Não me interpretem mal: os pesquisadores foram excelentes, com uma visão científica e crítica muito mas apurada que a média. Realmente inteligentes, sem sombra de duvida. Gênios, fora-da-curva? Não.

Minha opinião contrastava radicalmente com a de meus entusiasmados colegas, que não paravam de elogiar o quão geniais eram esses caras. Nem ousei verbalizar o que tinha achado com medo de parecer convencido. Pior, podia muito bem ser minha reduzida capacidade mental que não sabia apreciar a genialidade dos geniais. Tudo bem, estava pronto para aceitar o fato e tentar melhorar. Mas acho que a maior razão para essa minha opinião vem do fato de que as pessoas bem-sucedidas em determinadas áreas dominam muito bem apenas a sua arte. No entanto, não demonstram a mesma fluência em contextos diferentes. Durante o papo com aqueles cientistas moleculares, percebi que sabiam tanto de economia quanto eu.

Mais para frente em minha carreira, decidi organizar uma série de seminários, com pesquisadores bem-sucedidos. A proposta era ter, por uma hora, o palestrante discorrendo sobre sua carreira, criatividade, como as ideias afloram etc. Consegui financiamento do instituto (na época estava no Salk, em La Jolla) e comecei a convidar as personalidades. O convite era sempre aceito com muita empolgação e curiosidade sobre esse novo conceito de seminário. Durante dois anos, trouxe convidados famosos no meio acadêmico, de Oliver Sacks até diversos Nobéis. Todos brilhantes, interessantes, nenhum gênio.

Recentemente encontrei alguém que pensa parecido. Na verdade, vai além. É um desmascarador de gênios. O autor, Malcolm Gladwell, chegou a escrever um livro sobre isso (Outliers ou “Fora de Série” em Português), onde descreve a história de diversas personalidades “geniais” e como foi que se destacaram em suas respectivas artes sem precisar de um QI anormal. Entre os gênios desmascarados, encontram-se Bill Gates, Mozart e até os Beatles.

O autor explora o conceito da pequena vantagem inicial. Segundo essa ideia, aqueles que foram favorecidos em estágios iniciais de suas carreiras teriam mais chances de ser bem-sucedidos no futuro por causa de um acúmulo gradual de oportunidades. Além disso, o autor aponta duas outras características das celebridades (não no conceito deturpado, coloquial, mas no conceito real, daquele que fez algo célebre). Primeiro, o oportunismo. Bill Gates só conseguiu ser programador na sua época de estudante porque teve acesso a um dos únicos computadores que permitiam programação direta nos EUA.

A outra característica são as dez mil horas de dedicação exclusiva. Lennon e Paul só deram o salto criativo com os Beatles depois de dez mil horas tocando num strip club em Hamburgo nos anos 60. Mozart só tocava música dos outros aos 13 anos, aos 17 era considerado bom, mas só depois dos 23 é que virou um virtuose. Durante os treinos, acumulou as dez mil horas necessárias para o salto qualitativo. A hipótese foi testada com jogadores de xadrez e, aparentemente, funcionou. O “talento” para jogar xadrez como um mestre “aparece” depois de anos de prática exclusiva.

Vale notar que, em todos os exemplos, a vantagem inicial, o oportunismo e as dez mil horas de treinamento não garantem que você se torne uma celebridade instantânea. Existe um algo mais que é essencial. Isso eu aprendi conversando com os palestrantes que vinham contar suas histórias. Posso dizer que a maioria, de uma forma ou de outra, se qualificava no processo de criação de Gladwell. Mas o que faz a pessoa realmente especial é a paixão pelo assunto. A paixão é que faz você passar pelas dez mil horas de trampo como se fosse um hobby. Talvez seja por isso que os gênios só estão acima da média quando o assunto é apaixonante para eles.

Por isso mesmo, acho uma babaquice escolas ou programas para superdotados ou pais que se gabam que o filho começou a ler aos 2 anos de idade, muito antes dos outros amiguinhos. É tão importante assim a leitura dos livros aos 2 anos de idade? O que realmente importa é o que a criança vai fazer com essa vantagem daqui a alguns anos e não com 2, 8 ou 11 anos de idade. Eles ainda vão precisar de uns 20 anos até fazer alguma contribuição especial para a humanidade.

Uma pesquisa nos EUA, que acompanhou a trajetória de vida de crianças com os mais altos QIs de uma geração, mostrou que eles não se deram melhor que o resto. A maioria das pessoas de sucesso tem QI na média da população da sua geração.

Mas talvez realmente existam casos reais de genialidade inerente. A grande variabilidade cognitiva humana permite essa possibilidade. Mas para a grande maioria dos casos, a minha conclusão é simples: aqueles classificados de “gênios” não têm um talento natural, mas uma paixão obsessiva pelo que fazem. A paixão sozinha não vai garantir o sucesso, mas é o primeiro passo. Sem esse amor incondicional por uma atividade, você jamais será classificado como genial.


Fonte: g1.globo.com

Coluna: Espiral - Alysson Muotri

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Gambiarra jurídica

A recente indecisão do STF quanto a questão da validade da denominada Lei da Ficha Limpa demonstra o quanto o Brasil ainda caminha no jeitinho, na gambiarra, mesmo no âmbito jurídico. Os cinco ministros a favor da validade da lei demonstram, inequivocadamente, que o casuísmo é válido desde que haja um clamor popular no horizonte.

Embora eu seja simpático a imediaticidade da lei, a atual conjuntura constitucional afirma ser necessário um ano para a vigência de qualquer nova lei. Portanto os ministros contrários estavam mais próximos de uma defesa dos princípios constitucionais vigentes, ainda que isso nos doa, é uma oportunidade para refletir muito sobre a complexa relação entre legalidade, legitimidade e moralidade pública.

Dura lex sed lex!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Superdotados

Embora o conceito de superinteligência seja muito complicado, eis uma informação interessante sobre alunos(as) que apresentam inteligência acima da média.

Identificação e avaliação do aluno superdotado

Desenvolvimento intelectual

Desenvolvimento social e emocional

 

 

Intelectualidade

Supersensibilidade

Criatividade

Brincadeiras individuais

Motivação e comprometimento com tarefas

Preferência por amigos mais velhos, mais próximos a ele mentalmente

Habilidades superiores de pensamento

Interesses por problemas filosóficos, morais, políticos e sociais

Fluência e flexibilidade das ideias diante dos problemas

Persistência

Facilidade para entender princípios gerais

Independência e autonomia

Generalizações

Liderança

Vocabulário avançado para a idade

Alto nível de energia

Leitura precoce

Senso de humor

Boa memória

Perfeccionismo

Boa concentração

Iniciativa

Curiosidade

 



Fonte: clique aqui

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Quando a razão é atacada para se "ter razão" a qualquer custo

O filósofo britânico Stephen Law elaborou um interessante argumento contra o ceticismo extremo presente no hiper-relativísmo contemporâneo e em sua variante dileta o hipersubjetivismo. A tradução livre é de minha autoria.

Obs.: optei pela tradução de Going Nuclear como "detonar tudo" porque traduz bem o que o autor inglês pretende questionar. A ideia, contida na metáfora, é atacar a racionalidade indiscriminadamente, espalhando um clima cético generalizado, quando os argumentos não são bons o suficiente para defender o sistema de crenças.

 

 

 CAPÍTULO DE LIVRO

"Detonar tudo": Eu estou particularmente procurando pelas opiniões postadas, respondendo de forma mais clara e mais acessível.


Suponha que Mike esteja envolvido em um debate sobre a verdade de seu próprio sistema de crenças New Age. As coisas não estão indo bem para ele. Seus argumentos estão sendo despedaçados, e, pior ainda, seus adversários chegaram com várias acusações devastadoras com as quais ele não pode lidar. Como ele poderia sair desta armadilha? 

Uma possibilidade é adotar a estratégia intelectualmente desonesta que eu chamo "Detonar tudo". "Detonar tudo" envolve a assunção de um panorama cético geral. Na filosofia, um "cético" é alguém que levanta dúvidas sobre as nossas reivindicações de conhecimento em uma determinada área. Aqui está um exemplo de um argumento cético: 

Sempre que discutimos sobre a verdade ou falsidade de uma crença, nós aplicamos nossa habilidade racional. Mas por que supor que a razão é em si um caminho confiável para a verdade? Você pode tentar justificar o nosso uso da razão, é claro. Mas qualquer justificação da razão que você oferece vai se basear na razão. Baseando-se na razão para justificar a nossa confiança na razão é um pouco como a tomada  de opinião de um vendedor de carros de segunda mão sobre a confiabilidade de sua própria palavra - é uma justificação perfeitamente circular, e assim não há nenhuma justificação! Então verifica-se que a nossa confiança na razão é totalmente injustificada. É um salto de fé!

A partir da afirmação de que nossa confiança na razão não se justifica ficamos há apenas um pequeno passo da conclusão de que nenhuma crença é justificada: 

Mas se a confiança na razão não pode ser justificada, então, porque toda justificação racional se baseia na razão, assim nenhuma crença pode ser justificada. Mas se nenhuma crença é justificada, então, em última instância, tudo é uma posição de fé! Mas então a sua crença não é mais razoável que a minha. Saia dessa!

Se este é ou não realmente um bom argumento para a conclusão de que nenhuma crença é justificada não é uma questão que trataremos aqui. O ponto é que, à primeira vista, ele parece bastante convincente. Não é fácil detectar precisamente onde o argumento está errado, se, na verdade, tudo parece ruim. Isto significa que se o sistema de crenças de Mike está tomando uma surra, racionalmente falando, um último esforço tático que Mike pode adotar é simplesmente jogar esse argumento cético para o seu oponente. Mike pode admitir que sua crença não possa ser justificada. Mas ele pode exigir que o sistema de crenças de seu oponente também não pode ser justificado. O argumento cético oferece a Mike uma maravilhosa "saída da prisão". Permite-lhe seguir com a cabeça erguida, dizendo: "Então você vê? Em última análise, ambas as nossas posições são igualmente (ir)racionais! Ambas são "posições fé!" 

Você pode ver porque eu chamo essa estratégia "Detonar tudo". Uma vez que Mike usa o panorama cético geral, força os seus adversários a trabalharem duro na construção de argumentos contra a posição para nada. Kaboom! Em um acidente vascular cerebral, Mike destrói todos eles. Ele devasta cada argumento racional, trazendo todas as crenças ao mesmo nível.

Para que o adversário de Mike possa lidar com "Detonar tudo", terá de refutar a sua argumentação filosófica. Isso é uma coisa muito difícil, talvez impossível, de fazer. Eles certamente irão à luta. Nesse caso, toda a audiência será atingida não só pela sofisticação de Mike em empregar tal objeção devastadora filosófica, mas também pela frustração do adversários enquanto lutam com o dilema filosófico espinhoso que Mike criou. É bastante provável que Mike agora pareça ser o vencedor intelectual nessa disputa. 

Então, o que exatamente, está errado com "Detonar tudo"? Depois, pode ser que o argumento cético empregado por Mike seja realmente um bom argumento. Talvez qualquer sistema de crença seja realmente tão racional quanto qualquer outro. Assim, se Mike pode argumentar em defesa de sua perspectiva, por que não empregar um argumento tão cético? Por que "detonar tudo" é um artifício intelectualmente desonesto? 

Porque talvez Mike, de boa fé, não pressione o botão nuclear. Tenha em mente que, em tais discussões, utilizar o panorama geral cético é realmente a opção nuclear. "Detonar tudo", Mike evita a derrota, mas apenas por aniquilar completamente a racionalidade de qualquer crença. Todas as posições, não importa o quão sensível ou malucas, aparecem como igualmente (ir)racionais.

Se Mike for consistente, ele deve aceitar que a Terra é plana, que a Terra é redonda, que o leite faz com que as pessoas voam, que não, que a astrologia é verdadeira, isto é, não é - que todos esses crenças são igualmente (des)razoáveis. Agora, é claro, Mike quase certamente não acredita realmente em nada disso. O fato é que ele pensa que a razão nos fornece uma ferramenta bastante confiável para estabelecer o que é verdadeiro e o que não é. Na verdade, todos nós dependemos de razão em nossas vidas do dia-a-dia. Na verdade, Mike constantemente confia sua vida a razão, quando, por exemplo, confia que os freios do seu carro vão funcionar, que a ponte vai suportar seu peso, que um medicamento salvará sua vida, e assim por diante. 

Na verdade, aqueles que "detonam tudo" estão geralmente muito contentes em contarem com razão para não perderem o argumento. É só quando a maré da racionalidade se volta contra eles que acionam o botão vermelho. E, claro, uma vez que seu adversário deixe a questão, eles vão começar a usar a razão mais uma vez para tentar revigorar a sua crença.

Então "Detonar tudo" é, na verdade, quase sempre um mero estratagema. Aqueles que o usam geralmente não acreditam no que estão dizendo sobre a razão. Eles dizem só o suficiente para levantar poeira e confusão para fazer a sua fuga rápida.

"Detonar tudo" pode ser empregado na defesa de uma ampla variedade de crenças. Acredita que há uma família de fadas que vivem em seu pacote de biscoitos ou de que você é visitado por fantasmas? Em cada caso, se você se encontra no lado perdedor do argumento, você sempre pode empregar "Detonar tudo" como uma última trincheira, a estratégia "salvando as aparências". Acontece principalmente nos círculos religiosos. Por exemplo, respondendo a argumentos racionais levantadas contra suas crenças, um judeu ortodoxo escreve:

A crença na razão não é menos um dogma do que qualquer outro.

Talvez a crença na razão seja, em última análise, um dogma. Mas é esse realmente o ponto. Essa pessoa quase certamente se baseia na razão, em todos os outros aspectos da sua vida, e, sem dúvida, um apelo à razão sempre aparece para apoiar a sua crença religiosa. Seu ceticismo sobre a razão não é genuíno, é apenas uma artimanha que utiliza seletivamente para evitar ter de admitir que o que acredita ter sido revelado, pelas normas que aceita e emprega em todos os outros aspectos da sua vida, seja falso.

Confiar em nossos sentidos

Aqui está uma interessante variante de "Detonar tudo" que às vezes é utilizada pelos religiosos quando confrontados com desafios intelectuais contra o que eles acreditam. Eles admitem que acreditar em Deus envolve um "salto de fé". Mas, em seguida, acrescentam que os ateus têm de dar um "salto de fé" quando se trata de confiar em seus sentidos.

Ateus, afinal, acreditam que habitam um mundo físico, cheio de montanhas, oceanos, árvores, casas e pessoas. Mas eles acreditam nisto apenas porque esse é o tipo de mundo de seus sentidos da visão, audição, paladar, tato, olfato e assim por diante parecem revelar. Como eles podem saber se os seus sentidos são um guia confiável para a verdade? Como eles podem saber que suas experiências são produzidas por um mundo real, em vez de, digamos, um supercomputador gerando uma realidade virtual sofisticada, como no filme The Matrix? Afinal, tudo parece exatamente a mesma coisa, de qualquer forma, não é? Assim, parece que os ateus não podem justificar a sua crença num mundo externo. Mas se os ateus não podem justificar a sua crença num mundo externo, então eles não sabem que esse mundo existe. Sua crença de que existe um mundo deve envolver um enorme "salto de fé".

Tendo criado este argumento cético, um teísta pode, então, acrescentar que eles desfrutam, não só as experiências sensoriais, mas também uma experiência de Deus. Deus, eles supõem, revela-se a eles. Mas então, justamente porque eles colocam sua fé na sua experiência de Deus - que supondo que não seja uma ilusão, mas realmente revele Deus - não tem de colocar nenhuma fé adicional na confiabilidade de seus outros sentidos. Para tal um Deus bom não nos permitiria ser sistematicamente enganados por nossos sentidos. Podemos ter certeza de que, se existe um Deus, então os nossos sentidos são confiáveis. Assim, para tal teísta, confiar em seus sentidos não requer nenhum salto adicional de fé.

Nesse caso, o nosso teísta pode concluir que para alguém que tenha tais experiências religiosas, a crença em Deus não precisa ser mais uma posição "fé" do que a crença do ateu no mundo externo. As duas crenças são realmente e intelectualmente idênticas.

Este é um argumento interessante que pode conter um elemento de verdade. Talvez seja verdade que o ateísmo seja uma posição de fé, porque qualquer crença sobre como as coisas são fora de sua mente é ao final, uma posição de fé. No entanto, mesmo se qualquer crença sobre como as coisas são fora de sua própria mente requeira um salto de fé, não se segue que é razoável para um teísta colocar a sua confiança em suas experiências de Deus, como é para os ateus confiar em seus sentidos.

Mesmo que não haja muito boas razões para supor que as experiências religiosas, ao contrário de nossos outros sentidos, são muito pouco confiáveis (ver em stephenlaw.blogspot.com: "Eu só sei!"), o fato é que, embora a hipótese teísta de que eles realmente estejam experimentando Deus possa levá-los a confiar no resgate de seus outros sentidos, em seguida, parece fornecer-lhes ampla evidência de que não há como ser benevolente (agora estou referindo, é claro, ao problema do mal probatório delineado na introdução - certamente observamos sofrimento demais para que isso seja a criação de uma todo-poderosa e extremamente benevolente deidade). Assim, ao contrário do pressuposto de que nossos sentidos são confiáveis, a hipótese teísta acaba por prejudicar-se.

Variantes de "Detonar tudo": (1) "O que é verdade?"

Nós olhamos duas versões céticas de "Detonar tudo", com base em um ceticismo sobre a razão, o outro o ceticismo sobre o mundo exterior. No entanto, há também uma série de versões não-céticas de "Detonar tudo".

Por exemplo, em vez de levantar dúvidas filosóficas sobre o nosso conhecimento do que é verdadeiro Mike poderia tentar levantar uma interrogação filosófica sobre a idéia da própria verdade. Verdade é um conceito filosófico espinhoso, e de nenhuma maneira é claro como defini-lo. Assim, se Mike encontra seu novo sistema de crença New Age, intelectualmente falando, poderia tentar dizer a seus críticos:

Ah, você diz que estas coisas são verdadeiras. Você acha que pode mostrar que eles são verdadeiros. Mas deixe-me fazer-lhe uma questão mais fundamental - o que é verdade?

Os adversários de Mike ficarão, sem dúvida, desorientados por essa súbita mudança de direção na conversa e perplexos com a espinhosa questão filosófica que foi criada para eles, dando a Mike, pelo menos, tempo suficiente para dar uma respirada.

Esta tática parece ter sido utilizada por Pôncio Pilatos. Quando Pilatos interrogou Jesus antes da crucificação, Jesus proclamou: "Todos do lado da verdade ouvem a mim." (João 18:37). Pilatos respondeu: "O que é a verdade?" e saiu. Como o filósofo Francis Bacon afirmou em seu ensaio "Sobre a Verdade":

"O que é a verdade?", perguntou Pilatos gracejando, e não esperou por uma resposta.

Esse tipo de uso da pergunta "O que é a verdade?" é o equivalente intelectual a jogar poeira no rosto de seu oponente para fazer uma fuga rápida. Quando os argumentos que estão do nosso lado são bons, então geralmente ficamos bastante felizes em dizer que temos boas razões para supor que o que nós acreditamos seja verdadeiro. É somente quando as coisas começam a ir mal para nós que, de repente, ocorre-nos perguntar: "Sim, mas o que é verdade?"

Variantes de "Detonar tudo" (2): "É verdade para mim"

Outra variante do "Detonar tudo" envolve, não perguntar o que é verdade, mas simplesmente proclamar ou implicitamente assumir que a verdade é relativa.

Explicando: o relativismo é a visão filosófica de que o que é verdade o é em relação aos crentes. Não há nenhuma verdade objetiva com um "V" lá fora para ser descoberta. Pelo contrário, a verdade é uma construção - a nossa construção. Assim, há muitas verdades. Há a sua verdade, a minha verdade, a verdade dele, a verdade dela.

Na sua forma mais simples, este tipo de relativismo diz que o que é verdadeiro o que o indivíduo acredita ser verdade. Suponha que eu acredito que levitação pelo poder da mente seja possível. Então, como diz um relativista, para mim, é verdade que é possível. Se você acredita que é impossível, então para você, é verdade que é impossível. Não há nenhum fato da matéria a respeito da qual qualquer um de nós esteja realmente correto.

Outra forma de relativismo acerca da verdade faz a verdade ser relativa não a indivíduos, mas a comunidades. A maioria dos ocidentais de espírito científico acredita que as estrelas e os planetas não têm influência astrológica sobre nossas vidas. Mas em outras culturas, supõe-se que as estrelas e os planetas tenham tal influência, e que os astrólogos possam usar cartas astrológicas para prever com precisão o futuro. De acordo com este tipo de relativista, a ideia de que as estrelas e os planetas tenham uma grande influência para os ocidentais é falsa, mas verdadeira para outras comunidades. A verdade é uma construção social. A verdade científica é apenas uma verdade entre muitas verdades, que são igualmente "válidas".

Esse tipo de relativismo sobre a verdade é popular em certos círculos, e pode fornecer a Mike a saída do seu impasse. Ele poderia dizer:

Bem, a cura de doenças usando terapia astral pode não ser verdade para você, mas é verdade para mim!

A implicação é que o que é verdade sobre a terapia astral é simplesmente uma questão do que certos indivíduos ou comunidades acreditam que seja a terapia astral. Adversários de Mike agora, não só tem que descobrir exatamente o que Mike quer dizer com essa observação enigmática, como terão, então, de refutar a teoria relativista da verdade que Mike, com efeito, assumiu - complicadas tarefas que exigem algum tempo e paciência para alcançar. Entretanto, assim como Pôncio Pilatos, Mike está de fora, deixando os seus adversários atolados na lama filosófica que ele criou.

O absurdo do relativismo

Vale a pena fazer um desvio neste ponto apenas para indicar porque este tipo de relativismo é um absurdo. Uma razão pela qual o relativismo pode parecer atraente é que há poucas crenças que possam, de fato, ser verdade. Considere wichitee grubs, por exemplo - as larvas grandes comidas vivas por alguns aborígenes australianos. Alguns indígenas consideram as larvas uma iguaria. A maioria dos ocidentais, por outro lado, consideram-nas revoltantes (quando Jordan, a modelo de glamour britânica, foi desafiada a comer várias grandes larvas se contorcendo em um programa de TV, ela disse que a experiência foi "pior do que o parto"). Então, qual é a verdade sobre larvas wichitee? Elas são deliciosas, ou não são? A verdade, talvez, é que não há verdade-com-V-maiúsculo sobre a sua delícia. Para aqueles que gostam de larvas wichitee, é verdade que elas são deliciosas. Para aqueles que não, é falso. Isso porque a propriedade de ser delicioso está enraizada, não objetivamente na larva em si, mas sim em nossa reação subjetiva a elas.

Então, sim, algumas verdades podem ser relativas. Mas nem todas (pois, como o filósofo Platão salientou, a verdade de que todas as verdades são relativas é em si mesma relativa, o que implica que, se eu acredito que é falso que todas as verdades são relativas, então eu estou certo!). Uma ou duas pessoas podem acreditar que as pessoas criam sua própria realidade - a realidade é aquilo que o indivíduo acredita ser. A atriz Shirley MacLaine, por exemplo, escreve: 

Eu aprendi uma lição profunda e significativa: a VIDA, VIDAS e a REALIDADE são apenas o que cada um de nós percebe como tal. A vida não acontece para nós. Nós a fazemos acontecer.

Um dos exemplos mais estranhos e mais inquietantes de alguém que, aparentemente, muito sinceramente abraça uma visão do tipo de realidade de MacLaine é fornecido pelo assessor sênior de George W. Bush, Karl Rove, que parece ter aprendido a mesma lição profunda e significativa. Rove disse certa vez a jornalista Ron Suskind que Suskind era membro do que Rove chamava: 

"Realidade-baseada na comunidade", é o que [Rove] definiu como pessoas que "acreditam que as soluções emergem de seu estudo judicioso da realidade discernível."... "Essa não é a maneira como o mundo realmente funciona mais", continuou ele. "Somos hoje um império e quando agimos, criamos nossa própria realidade. E enquanto você estiver estudando esta realidade, judiciosamente, como você vai agir, vamos ficar de novo, criando outras novas realidades, que você pode estudar muito, e é assim que as coisas se passam. Nós somos agentes da história... e vocês, todos vocês, permanecerão estudando o que fazemos."

A visão de Rove  parece ser a de que não há necessidade de observar e estudar a realidade a fim de tentar descobrir o que é e não é verdadeiro, ou o que é e não é susceptível de trabalho, conhecimento político. Pois não há tal realidade independente. A equipe do governo Bush cria a realidade. Assim como Shirley MacLaine.

Claramente, a visão de Shirley MacLaine da realidade não pode estar correta. Eu não posso fazer que seja verdade que eu posso voar apenas por crer ou imaginar que eu posso. Não importa o quanto eu possa estar convencido de que se eu pular deste edifício alto, eu vou subir graciosamente no ar, o fato é que, se eu pular eu vou morrer. Mesmo se eu pular de mãos dadas com a minha comunidade, todos os membros que estejam convencidos de que vamos voar, vamos continuar todos a despencar para as nossas mortes. Antes de Copérnico, era verdade que o Sol realmente dava a volta na Terra, porque isso é o que todos acreditavam? Se Neil Armstrong, e muitos outros, tivessem acreditado que a Lua era feita de queijo, a Águia teria pousado em um mar de Camembert?

Obviamente que não. Quando se trata de saber se podemos ou não voar, se o Sol gira em volta da Terra, ou se a Lua é feita de queijo, o que acreditamos, e como as coisas realmente são, podem, e fazem, são coisas distintas.

O apelo seletivo ao relativismo

De acordo com o acadêmico Harold Bloom,

Eis uma coisa de que um professor pode estar absolutamente certo: quase todo estudante ao ingressar no ensino superior acredita, ou diz que acredita que a verdade é relativa.

Na verdade, eu duvido que quase todos os estudantes realmente acreditem nisso. Mas muitos alunos aprenderam que o relativismo oferece uma muito útil saída para quando estiverem encurralados em um argumento. Eles aprenderam que, ao dizer: "Hmm, bem, isso pode ser verdade para você, mas isso não é verdade para mim" criam confusão intelectual suficiente para fazer a sua retirada rápida.

Isto é precisamente o que Mike faz acima, é claro. Como a maioria das pessoas que jogam o cartão relativista quando encurralados, Mike realmente não supõe que a verdade seja o que supomos ser. Se pressionado, ele certamente não aceitará a ideia absurda de que se ele realmente acredita poder voar, então ele pode. Nem Mike usará o cartão relativista, enquanto o argumento estiver percorrendo por esse caminho. O relativismo de Mike é apenas um disfarce conveniente que ele seletivamente adota sempre que está no lado de um argumento perdedor.

 

Fonte: stephenlaw.blogspot.com

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Será o Islã a causa dos problemas no Oriente Médio?

Um especialista norte-americano em Oriente Médio e ex-agente da CIA, Graham Fuller, analisa os problemas entre o ocidente cristão e os países islâmicos e conclui: a causa não é a religião muçulmana, mas a política externa dos EUA. É interessante confrontar os argumentos de Fuller com os do filósofo norte-americano, Sam Harris, em seu livro "O fim da Fé". Para Harris o Islã é a causa de vários problemas no mundo contemporâneo. Vale a leitura da entrevista (e do livro) de Fuller.


Graham Fuller: “O islã não é o problema”

Em seu novo livro, o especialista em Oriente Médio recorre à história para defender que a religião não é a causa dos conflitos da região

Por ter trabalhado de 1964 a 1987 para a CIA, ter morado na Turquia, no Líbano, na Arábia Saudita, no Afeganistão e no Iêmen e falar cinco línguas árabes, o ex-espião Graham Fuller tem razões para ser considerado um especialista em Oriente Médio. Hoje, Fuller dá aulas sobre o assunto no departamento de história da Universidade Simon Fraser, em Vancouver, no Canadá, onde mora, e acaba de lançar mais um livro sobre a questão, A World Without Islam, em que argumenta que o islamismo está longe de ser a causa dos conflitos atuais entre Ocidente e Oriente. "É mais fácil culpar o islã, dizer que eles são fanáticos."

ÉPOCA – O senhor afirma que a religião não é a causa dos conflitos no Oriente Médio. Como chegou a essa conclusão? 
Graham Fuller – Desde muito cedo me interesso pelo Oriente Médio, morei lá vários anos e, na última década, tenho pensado cada vez mais sobre as raízes dos problemas da região. E muitas delas não têm relação com o islã. Especialmente depois dos atentados ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, surgiram vários artigos tentando entender qual era o problema com o Oriente Médio, com a Arábia Saudita, com o islã. Eles diziam que o islã talvez fosse a origem do problema, a questão maior. Minha primeira irritação foi com as tentativas de todos em Washington, não só políticos mas "think tanks", de escrever essas análises sobre as dificuldades desses países, da dificuldade de reformar o islã. Essas análises não deixam de ter razão, mas ninguém disse, em nenhum momento: "Espere um minuto! Não é possível que os Estados Unidos - o único super poder mundial hoje, com quase mil bases militares espalhadas pelo mundo e intervenções em praticamente tudo - tenham causado algum impacto nos acontecimentos a região?" Era isso que estava faltando de quase todos os debates nos EUA. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais claro ficava que havia problemas no Oriente Médio; mas eles não estavam vindo do islã. O islamismo é o veículo, a bandeira, o símbolo, não a origem. Assumindo que o islã é uma bandeira, e não a causa do conflito, é preciso repensar a solução. Se o problema é o islã, a solução passa pelo Islã. Mas se o problema não é o Islã, a solução passa por outras coisas – e isso não é conveniente para o Ocidente. É mais fácil culpar o islã, dizer que eles são fanáticos.

ÉPOCA – Em seu livro, o senhor diz que o mundo teria conflitos bastante semelhantes, mesmo se o Islã não existisse e a religião predominante no Oriente Médio fosse o Cristianismo. O que, então, causa os conflitos na região?
Fuller – Há elementos geopolíticos por trás da maioria deles. Retomando a história, mesmo antes do surgimento do Cristianismo já havia conflitos entre o Oriente Médio e o Ocidente. Considerando a Grécia como o Ocidente em relação ao Império Persa, houve embates por centenas e centenas de anos. Alexandre, o Grande, por exemplo, marchando a partir da Grécia, conquistou tudo quase até a Índia, travando várias batalhas pelo domínio de Anatólia. Depois do surgimento do Cristianismo houve o conflito da Igreja Oriental em Constantinopla, hoje Istambul, com a Igreja Ocidental, em Roma. Os dois lados eram católicos mas houve muita rivalidade, brigas e conflitos até que eles se dividiram completamente. Isso antes do Islamismo e depois do seu aparecimento. As Cruzadas também eram motivadas por razões políticas e econômicas. Levar a bandeira do Cristianismo para o Oriente Médio era muito conveniente para justificar uma campanha militar, mas não era exatamente a verdade. Jerusalém estava sob o domínio islâmico há 500 anos. Os cristãos levaram 500 anos para notar isso e para tomar uma atitude? Analisando o período mais moderno de colonialismo ocidental e imperialismo, europeus dominando várias partes do mundo, incluindo o Oriente Médio, e, então, há guerras pela independência dos países muçulmanos. A Primeira e a Segunda Guerras Mundiais começaram com os europeus, que acabaram arrastando o Oriente Médio para o conflito. Durante a Guerra Fria, o Oriente Médio foi novamente arrastado ao conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética. E há também as empresas de petróleo que querem controlar o petróleo da região sem pagar. E quando o Irã tentou nacionalizar a indústria petrolífera, em 1953, as inteligência americana e britânica derrubaram o primeiro-ministro democraticamente eleito [Mohammed Mossadegh]. A região conviveu com a constante intervenção política e militar americana promovendo golpes de Estado, apoiando líderes impopulares, ditadores... A lista é interminável. E nenhum dos conflitos tem a ver com o islã.

ÉPOCA – É possível dissociar completamente o Mundo Muçulmano do Islamismo?
Fuller – É importante esclarecer que meu livro é sobre as relações entre o Oriente Médio e o Ocidente. Não estou tentando imaginar como seria o Oriente sem o islã. Estou só dizendo que, sem o islã, a relação entre o Oriente Médio e o Ocidente não seria muito diferente. Quando a região foi dominada por árabes, depois por turcos, por otomanos, os estados adotaram as políticas dos períodos anteriores. Não houve grandes mudanças. O Império Otomano cobria quase a mesma área que o Império Bizantino, que era Cristão, cobria. As relações com o Ocidente não mudaram muito. Não acho que seja o islã que esteja causando o conflito, embora seja muito conveniente para justificar a guerra. Nenhum país quer admitir que entra em guerra por causa de petróleo, com o objetivo de dominar. É sempre pela liberdade, pela democracia, pelos direitos humanos, pela cristandade ou pelo islã. Todos os Estados e religiões usam essas bandeiras, mas não devemos confundir as bandeiras com as verdadeiras causas dos conflitos.

ÉPOCA – O senhor trabalhou para a CIA entre 1965 e 1987 e viveu na Turquia, no Líbano, na Arábia Saudita, no Afeganistão e no Iêmen. Poderia imaginar que as relações entre os Estados Unidos e o Oriente Médio chegariam no ponto em que estão hoje, com duas guerras?
Fuller – Sim e não. Quem trabalhou no Oriente Médio todos aqueles anos sabia que a situação estava ficando cada vez pior. Quando voltava aos Estados Unidos, via que as pessoas não percebiam nenhuma mudanças. As pessoas diziam em Washington: "Eles estão sempre infelizes. Talvez aconteçam algumas revoltas, mas nada de mais". E assim foi por um bom tempo. Mas, de repente, um dia, tivemos o 11 de setembro. Foi um choque, mas não uma surpresa. Sabíamos que, um dia, algo ruim ia acontecer. Ninguém sabia o que, quando, onde, mas claro que seriam os elementos mais radicais os primeiros a agir numa situação desse tipo. Osama Bin Laden vinha avisando sobre os atentados há algum tempo. Não disse que ia atacar os Estados Unidos, mas vinha falando há anos sobre o ódio no Oriente Médio por causa da presença de tropas americanas na Arábia Saudita.

ÉPOCA – Mas os atentados de 11 de setembro poderiam ter sido evitados?
Fuller – Muitos problemas poderiam ter sido evitados. Os sauditas discutiram muito antes de permitir a presença americana no país. Mas concordaram sob a condição de que as tropas americanas se retirassem assim que a guerra do Kuwait acabasse. Mas elas não saíram. Isso, é claro, foi uma questão. A presença militar americana só cresceu antes dos atentados de 11 de setembro. Nesse período, os Estados Unidos apoiaram quase incondicionalmente a política israelense, o que gerou raiva em outros países do Oriente Médio. Esse ódio poderia ter sido evitado se os Estados Unidos se dispusessem a ser um intermediário equilibrado entre os dois.

ÉPOCA – Em um artigo, o senhor diz que a política externa americana é, provavelmente, a maior contribuição para a unidade do Mundo Muçulmano desde o profeta Maomé. Por quê?
Fuller – Nos dias de Maomé não havia comunicação, mas, hoje, com a internet e outros meios, o mundo islâmico - inclusive o norte da África, a Malásia, a Indonésia - sabe o que está acontecendo. Agora, quando os Estados Unidos decidem tomar uma atitude como a "guerra contra o terrorismo", todo mundo fica sabendo. Os palestinos veem na TV afegãos sendo mortos. Indonésios veem iraquianos sendo mortos. Hoje, a consciência de ser muçulmano é global. E há comunidades islâmicas nos Estados Unidos, na Europa. A maioria delas é pacífica, mas pode estar infeliz com a política americana. A identidade islâmica, portanto, é um resultado da política externa americana - e não a sua causa.

ÉPOCA – O presidente Barack Obama disse que os Estados Unidos deveriam buscar uma nova relação com o Mundo Árabe, em um discurso celebrado pela comunidade internacional, no Egito, em maio do ano passado. Há motivos para comemorar?
Fuller – Sim. Mesmo durante a campanha presidencial, estava claro que Barack Obama, até por seu histórico pessoal, tinha sensibilidade para tratar de questões étnicas e raciais. O problema é que os Estados Unidos nos últimos 50 anos ou mais se tornaram um império. E o país é, agora, como um navio petroleiro. É muito difícil mudar a sua direção. Obama pode ver o problema e querer mudar a direção. Mas vai conseguir corrigir o rumo em poucos graus. O discurso de Obama foi bom e necessário, mas criou expectativas no Mundo Árabe. E ele não tem correspondido a essas expectativas.

ÉPOCA – Embora Obama não tenha fechado a possibilidade de diálogo com o Irã, as chances de isso acontecer vêm diminuindo. E, em agosto, o almirante Mike Mullen admitiu que os Estados Unidos têm planos para um ataque ao país. Como o senhor avalia as relações dos Estados Unidos com o Irã?
Fuller – Os planos de ataque são uma notícia irrelevante. Os Estados Unidos têm planos para atacar todos os países do mundo. Não porque isso vá acontecer, mas porque essa é a função da inteligência. Muitos burocratas com muito tempo à disposição... Não fiquei particularmente interessado pela notícia. Até porque, a essa altura, depois de 30 anos de hostilidade ao Irã, há pelo menos 50 planos diferentes de atacar o Irã. A declaração foi apenas uma tentativa de elevar o tom, de intimidar.
Obama claramente quis melhorar as relações com o Irã mas a situação é muito mais complicada do que já foi. Os Estados Unidos perderam uma bela oportunidade de negociar quando o país era liderado por Mohammad Khatami, que era moderado. Mas nós nos recusamos a lidar com ele. Agora temos Mahmoud Ahmadinejad e uma situação muito pior no Irã. A situação é pior e os Estados Unidos ainda não são flexíveis o suficiente para lidar com ela.

ÉPOCA – Mas os Estados Unidos deveriam ser mais flexíveis para negociar com um líder considerado radical, como Mahmoud Ahmadinejad?
Fuller – É preciso negociar com o líder que existe, não dá para esperar vir um outro melhor. É preciso enfrentar as questões, negociar. Hoje a situação é muito mais complexa, envolve identidades, emoções, ressentimentos, os problemas psicológicos, além dos políticos.

ÉPOCA – Enquanto Obama se distanciava de Ahmadinejad, o presidente brasileiro, Lula, abriu diálogo com o iraniano, um movimento que recebeu críticas porque poderia, entre outras consequências, isolar o país no cenário político internacional. Qual a sua opinião sobre a aproximação de Brasil e Irã?
Fuller – O ato de Lula foi inspirado, criativo, corajoso, eficiente, um novo passo na diplomacia brasileira, uma forma de sair do isolamento na América do Sul e ter um papel no mundo. A aproximação do Irã e a parceria com a Turquia devem trazer outros benefícios no futuro. O mundo precisa de países maturos, razoáveis, que ajudem a dividir a responsabilidade pelos eventos globais. Nenhum país do mundo deveria ser o grande responsável pelos rumos do mundo. Nem Washington, nem China, nem Rússia, nem Brasil. Gostaria de ver mais poderes sérios e pragmáticos envolvidos na diplomacia.

ÉPOCA – Um dos esforços do Departamento de Estado americano para melhorar a relação entre o Ocidente e o Oriente Médio tem sido enviar imames americanos a países muçulmanos para falar de pluralismo religioso e tolerância nos Estados Unidos. Na semana passada, o imã Feisal Abul Rauf, responsável pelo projeto Cordoba House, a ampliação da mesquita próxima ao Marco Zero, em Nova York, estava em uma dessas missões. Como o senhor vê essa iniciativa do governo americano?
Fuller – O papel dos imames é muito importante, especialmente aqueles que cresceram na cultura ocidental e a entendem. Os muçulmanos nascidos no Ocidente podem ser fundamentais na construção de um diálogo com o Mundo Árabe. Desde que esses imames não sejam vistos como instrumentos de Washington e mantenham sua credibilidade. Precisam manter sua independência, sua voz – não fazer parte de um programa do governo americano. Não estou dizendo que, em princípio, a ideia do governo não é boa. Mas, hoje em dia, há tantas suspeitas sobre a intenção dos Estados Unidos que alguns podem acreditar que é apenas mais uma desculpa para pressão e intervenção. Alguns imames ocidentais podem manchar suas reputações se forem ao Oriente Médio em viagens pagas pelo governo americano. É importante que eles vão para lá, mas é melhor que vão como indivíduos e enriqueçam o pensamento sobre a religiosidade no mundo muçulmano.

ÉPOCA – O senhor acredita que a polêmica em torno da construção da mesquita pode abalar ainda mais a relação já estremecida entre os Estados Unidos e o Oriente Médio?
Fuller – A fúria e a controvérsia a respeito da mesquita em Nova York e a tentativa de criar um dia para queimar o Corão em outros estados americanos ajudam a destruir mais e mais a imagem dos Estados Unidos perante o Mundo Árabe. É bastante prejudicial.

ÉPOCA – Pressionado a falar sobre a polêmica da mesquita próxima do Marco Zero, Obama fez um discurso sobre a liberdade religiosa nos Estados Unidos. No dia seguinte, ele disse que não havia feito referência à mesquita, o que foi visto como uma meia retratação. Qual a sua opinião sobre a posição de Obama a respeito do assunto?
Fuller – Obama tem sido cauteloso demais em vários assuntos internacionais e muitos americanos progressistas têm se decepcionado com ele por causa dessa cautela constante. Mas gostei muito do fato de ele ter se posicionado a respeito da mesquita porque ele não precisaria fazê-lo. Não foi algo popular a dizer, ele não ganhou nenhum voto por isso, provavelmente perdeu alguns, por isso respeito a atitude dele. Ele sabia o que estava dizendo e só espero que ele não se torne, de novo, cauteloso demais, porque é uma questão importante de princípios.

ÉPOCA – Qual a sua opinião sobre o projeto da mesquita que vem causando tanta celeuma?
Fuller – Em primeiro lugar é preciso lembrar que a mesquita está lá há muitos anos e o projeto atual é apenas uma expansão. E uma expansão para unir as três religiões monoteístas. É importante lembrar que o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que é judeu, apoiou veementemente o centro, assim como vários rabinos. Eles se lembram dos dias em que os judeus eram proibidos de construir sinagogas nos Estados Unidos. O projeto, a longo prazo, é ótimo, mas o momento para a sugestão é delicado porque a questão seria politizada.

ÉPOCA – Existe uma tentativa, por parte de alguns radicais americanos, de criar um dia para queimar edições do Corão em protesto à construção da mesquita. Os Estados Unidos estão ficando mais intolerantes?
Fuller – É possível encontrar pessoas em qualquer país dispostas a queimar alguma coisa. A vasta maioria dos americanos sabe que isso é estúpido e ignorante. Mas cria uma má imagem e exacerba um problema que não tem melhorado nada, mesmo durante o governo Obama.

ÉPOCA – Mas, na Suíça, a população votou, em plebiscito, contra a construção de novas minaretes. E a França proibiu o uso da burca em lugares públicos.
Fuller – Não acredito que esse resultado na Suíça tenha a ver com o islã. O islã se tornou um símbolo para os dois lados. No caso da Europa há uma situação econômica delicada, uma população envelhecendo e trabalhadores vindo de outros países. A Europa nunca foi, verdadeiramente, multicultural, e especialmente países pequenos se sentem ameaçados pela entrada de estrangeiros. Poderiam ser de qualquer lugar, da China, da Índia, do Brasil, e causariam estranhamento por ter outra cultura, outra língua, outro estilo de vida. Os europeus estão se tornando xenofóbicos e os muçulmanos estão entre os grupos de estrangeiros mais numerosos e evidentes, pelo jeito de se vestir, por exemplo. Mas acredito que a questão de fundo sejam os problemas sociais europeus. O caso da burca é um pouco diferente, porque ela é um símbolo negativo do islã. Ela não é exigida pelo Corão. Ela deixa uma má impressão para o Ocidente sobre a religião. Mas os franceses deveriam proibir essa manifestação primitiva ou deveriam deixar que ela morresse de morte natural? Será que os franceses estão proibindo a burca ou estão banindo os problemas de que ela se tornou símbolo – o problema da imigração? É um fenômeno muito mais amplo do que o islã.


Fonte: Revista ÉPOCA Online - 23/08/2010


Um breve comentário: Fuller analisa corretamente serem os conflitos entre o ocidente e o oriente médio anteriores ao Islã, mas ignora a força ideológica das religiões. Sendo um especialista em (des)informações a partir de regiões consideradas "hot spots" na linguagem da espionagem norte-americana, não considera o poder simbólico de mobilização que as religiões constituem. O ex-especialista da CIA tem razão em contestar a mera satanização do Islã, mas erra ao afirmar ser a religião islâmica inofensiva nos conflitos entre o ocidente e o oriente médio. As religiões: cristã, muçulmana e judaica, constituem um trio cuja história de conflitos está longe de poder ser ignorada.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Por que é tão difícil a fidedignidade na Internet?

Recebi o e-mail de um amigo com um texto atribuído ao cientista norte-americano Noam Chomsky. O texto faz referência a "10 técnicas de manipulação" pela mídia. Buscando checar, até onde foi possível, se a autoria do texto era mesmo de Noam Chomsky, descobri ser de um desses "teóricos" da conspiração. No sítio de Sylvain Timsit (França) encontrei as "10 técnicas", rapidamente atribuída a Chomsky em inúmeros endereços eletrônicos brasileiros.

A estratégia, por trás das "10 técnicas", é afirmar que alguém conceituado disse tal coisa a fim de atribuir credibilidade ao argumento. Essa manobra é conhecida por falácia da autoridade ou argumentum ad verecundiam no âmbito da lógica informal.

Eis, o sítio com o autor das "10 estratégias de manipulação": http://www.syti.net/Manipulations.html, infelizmente em francês.

Os argumentos são simplificadores do modo como nos comunicamos. A teoria "embutida" nas "10 estratégias" é chamada de Teoria "Hipodérmica" pelos pesquisadores em Comunicação Social. A Teoria "Hipodérmica" ganhou notoriedade a partir da Segunda Guerra Mundial, especialmente, por causa dos métodos nazistas de difusão ideológica. Contudo, estudos posteriores demonstram não ser assim que nos comunicamos e nos influenciamos, mas continuou a notoriedade da Teoria "Hipodérmica" em outros campos do saber, assumida acriticamente como verdade irrefutável.

Unindo-se o pressuposto da Teoria "Hipodérmica" (quando falo, necessariamente, controlo quem me ouve) às "10 técnicas manipulatórias" temos uma "teoria" de conspiração muito a contento dos vieses "pós-modernistas" contemporâneos onde "não há mais verdades, apenas interpretações".

Seria mais interessante que as pessoas assumissem os argumentos, a partir da compreensão clara de seus pressupostos, e não de alguém considerado como autoridade inconteste - algo que não é válido. Infelizmente não tem sido o caso na Internet e, parece, continuará assim.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

"A casa caiu"

Há tempos setores neoconservadores no Brasil divulgam pela Internet a ideia (falsa) de nos EUA os livros infantis apresentarem a Amazônia como área internacional. As justificativas apresentadas são as mais disparatadas (e, para mim, claramente belicistas).

O Ministérios das Relações Exteriores e o Senando montaram uma equipe e foram aos Estados Unidos verificarem. O que se constatou? Que não passava de "bullshit" (bobagem). Depois de muitos anos o próprio governo norteamericano resolveu rebater oficialmente as bobagens quanto a uma invasão da Amazônia por tropas estadunidenses. Para ler clique aqui.

domingo, 15 de agosto de 2010

A autoajuda é necessariamente sinônimo de panaceia?

Eu penso que podemos distinguir dois tipos de concepções de autoajuda. Uma, mais razoável, advinda do período heleno-helenístico, quando os filósofos gregos antigos fugiram de suas cidades-estados escravizadas pelo Império Alexandrino, e depois pelo Romano, buscando a liberdade no âmbito de si mesmos, a qual mais contemporaneamente deu origem à moda do “faça você mesmo”. A outra, panaceia, infelizmente tem sido onipresente na existência humana.

A autoajuda é razoável quando nos motiva em nossas próprias questões sem o qual dificilmente conseguiríamos resolvê-las. É panaceia, falsa e perigosa, quando nos convence da existência em fórmulas mágicas para todas as questões. Como, por exemplo, deixarmos de nos medicarmos no caso de doença devido à crença em uma cura instantânea.

A primeira é uma atitude que julgo interessante, embora circunstanciada. A segunda é uma crença à qual devemos manter-nos atentos criticamente. Mas em ambos os casos o exercício do discernimento é indispensável, especialmente em uma época onde a espetacularização e a banalização midiática confundem-nos.

sábado, 14 de agosto de 2010

Uma pequena homenagem a José Saramago (1922-2010)

Posso discordar das posições políticas de Saramago. Posso considerá-lo um ideólogo de velhas ideais marxistas. Posso nem mesmo apreciar sua vasta produção literária, mas afirmar como fez L’Osservatore Romano (jornal oficial do Vaticano) que ele foi um “populista extremista”, embora concorde que foi antirreligioso, e por bons motivos, é descabido.

Saramago alcançou fama internacional por meio de sua literatura, não por ser um “populista extremista”. E provocou a ira da maior instituição religiosa do planeta, especialmente, por seus dois livros: O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991) e Caim (2009). L’Osservatore escreveu: "Ele dizia que perdia o sono só de pensar nas Cruzadas ou na Inquisição, esquecendo-se dos gulags, das perseguições, dos genocídios e dos samizdat (relatos de dissidentes da época soviética) culturais e religiosos". Discordo. O escritor português não disse em nenhum lugar aceitar gulags, perseguições, genocídios, samizdat ou seja lá que tipo de intolerância fosse. Aliás, é por não aceitar intolerâncias que causou a fúria do Vaticano, cuja história é exatamente contrária a de Saramago. Enquanto o escritor lusitano insistia em um mundo com mais compaixão, a maior igreja do mundo esconde casos de pedofilia, de agressões as freiras por padres, e quer esquecer as Cruzadas e a Inquisição como algo do passado, mas continua apregoando aos quatro ventos ideias absurdas do não uso de preservativos ou planejamento familiar em nome de dogmas insustentáveis, com todas as consequências em torno das doenças sexualmente transmissíveis e da miséria que assolam vários lugares do planeta.

Mas não me estenderei muito em defender Saramago porque penso que ele é maior do que o dogmatismo que tanto combateu (ainda que eu conceda que suas ideias comunistas eram caducas e potencialmente contrárias a sua visão de um mundo melhor). E também penso que uma luz lusitana apagou-se para sempre deixando o mundo um lugar com muito menos imaginação literária. Saramago não precisa de minha defesa. Ele já é parte da história no âmbito da literatura mundial. E jamais instituiu qualquer cruzada, perseguição, genocídio, gulag. O mesmo não se pode dizer da igreja-Estado. E para mim isso é que conta.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

As imposturas intelectuais da "pós-modernidade"

O físico norteamericano Alan Sokal e seu colega Jean Bricqmont escreveram um interessantíssimo relato dos abusos cometidos pelos ditos "pensadores pós-modernos". O livro gerou um debate internacional, não raro, marcado por forte emotividade, especialmente, da parte dos "pós-modernos" os quais acusaram Sokal de atacar áreas que não domina. Apesar desses apelos ad hoc por parte dos "pós-modernos" os erros, absurdos, abusos, indefinições e vaguidade apontados por ele podem ser constatados por qualquer um que tenha um mínimo de formação científica. O texto a seguir é uma resenha que explicita a obra de Sokal de forma clara. Boa leitura!


O rei vai nu

“Impostura”, de acordo com o dicionário, significa “embuste, engano artificioso; afetação de grandeza; superioridade, orgulho, confinante com a empáfia e a bazófia”. Os cientistas Alan D. Sokal (Universidade de Nova Iorque) e Jean Bricmont (Universidade Católica de Lovaina, Bélgica) sustentam que intelectuais de renome, associados à corrente convencionalmente conhecida como “pós-modernismo”, têm incorrido sistematicamente em “abusos reiterados de conceitos e termos provenientes das ciências físico-matemáticas”, a ponto de constituírem verdadeiras imposturas intelectuais. Podem ser identificados quatro tipos de abusos:
“Falar abundantemente de teorias das quais se tem, no máximo, uma vaga idéia”;
“Importar noções das ciências exatas para as ciências humanas sem dar a menor justificação empírica ou conceitual”;
“Exibir uma erudição superficial ao jogar, sem escrúpulos, termos especializados na cara do leitor, num contexto em que eles não têm pertinência alguma”; e
“Manipular frases desprovidas de sentido e se deixar levar por jogos de palavras”.

Neste polêmico livro, os autores fundamentam suas teses mediante numerosas citações, organizadas por autor (Lacan, Kristeva, Irigaray, Latour, Baudrillard, Deleuze e Guattari e Virilio) e por tema (caos, teorema de Gödel, relatividade restrita).

Sokal e Bricmont não se atêm a pequenos erros ou imprecisões isoladas ou àquelas próprias de um uso metafórico no discurso literário ou poético. Pelo contrário, nos autores analisados, as teorias e conceitos científicos jogam um papel não marginal, seja porque são usados nos fundamentos das suas teorias (Lacan e Kristeva), seja porque são precisamente o objeto de estudo (Irigaray, Latour, Deleuze e Guattari); em todo caso, seu uso contribuiu para que fossem elogiados por seu “rigor”, “extrema precisão”, “erudição surpreendente” e juízos similares.

A lista de exemplos é longa e bem documentada. Atribui-se ao psicanalista Jacques Lacan o abuso de tipo 2, quando declara, sem fundamentação lógica ou empírica, que o toro (estrutura topológica correspondente a um anel) é “exatamente a estrutura do neurótico” e que outras estruturas topológicas correspondem a outras patologias mentais. Seu uso dos números imaginários é declaradamente feito como metáfora, mas conduz a afirmações curiosas como: o “órgão eréctil (…) é igualável à raiz de -1”. Os textos em que Lacan recorre à lógica matemática, por outra parte, são considerados exemplos dos abusos 2 e 3 ao mesmo tempo: “Lacan exibe diante de não especialistas seus conhecimentos de lógica matemática; mas (…) a ligação com a psicanálise não está sustentada por lógica alguma”. Sokal e Bricmont absolvem Lacan dos abusos de tipo 1, ainda que em certos textos ele apresente uma definição incorreta de conjuntos abertos, definições sem sentido da noção de limite e de conjuntos compactos, e confunda números irracionais com imaginários.

Os trabalhos sobre lingüística e semiótica de Julia Kristeva ilustram também exemplos de abusos de tipo 2 e 3. Conceitos matemáticos delicados são introduzidos sem que se explique sua possível relação com a lingüística e revelando óbvia falta de compreensão: o axioma da escolha, que justamente permite provar a existência de conjuntos sem construi-los explicitamente, é invocado como implicando uma “noção de construtividade”; a hipótese do contínuo é mencionada, se bem que o conjunto de todos os livros possíveis seja apenas enumerável, e o muito popular teorema de Gödel é interpretado exatamente ao contrário. A intelectual feminista Luce Irigaray, por sua vez, num ensaio sobre o “subdesenvolvimento” da mecânica dos fluidos (identificados com a feminilidade), confunde a dificuldade matemática para obter soluções das equações de Navier-Stokes com a “impotência da lógica” e demonstra não compreender que são derivadas usando aproximações que excluem sua aplicação a escalas moleculares.

Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Paul Virilio valem-se de abusos de tipo 1 e 4. Sokal e Bricmont selecionam extensas citações, inclusive uma de quase três páginas, em que se justapõem numerosos termos científicos (atrator estranho, exponencial, fractal, caos, singularidade, energia potencial, superfície topológica, função, partícula etc.), em parágrafos intrincados e sem concatenação lógica de argumentos, num jogo de analogias baseadas nos diferentes sentidos vagamente atribuídos a esses termos na linguagem comum.

Os escritos de Virilio são, talvez, os mais abertos à sátira. Por exemplo, no que diz respeito ao papel das velocidades, confunde velocidade com aceleração e quantidade de movimento com a equação logística. Mas Deleuze e Guattari providenciam ainda outro tipo de exemplo importante. Em suas análises de filosofia da matemática, retomam confusões devidas a Hegel (classificação errada de frações, noção de função superada há 150 anos) e fazem uma descrição obscura e complicada do cálculo infinitesimal, enquanto marcam a necessidade de uma “exposição rigorosa” de seus princípios. Aparentemente, ignoram que tal exposição existe desde o início do século passado.

O capítulo dedicado a Bruno Latour é particularmente revelador, pois ilustra os riscos de se tentar uma análise profunda a partir de uma compreensão superficial. Com o propósito de demonstrar que a teoria da relatividade restrita é uma construção social, faz uma leitura semiótica do livro Relativity, de Einstein, no qual se apresentam os argumentos baseados em trens, observadores e sinais luminosos, que todo estudante de física conhece bem. Latour engana-se e centra sua análise em elementos puramente pedagógicos da exposição de Einstein. Por exemplo, atribui grande importância à existência de três sistemas de referência a uma só vez (isso pode acontecer ocasionalmente numa exposição didática, mas a teoria trata da relação entre dois sistemas) e ao fato de os observadores serem humanos (eles são humanos nos exemplos do livro de Einstein, mas na maioria dos experimentos e fenômenos os “observadores” são instrumentos, discos de computador e até partículas elementares), e confere um papel privilegiado ao “narrador” (a teoria não tem sistema privilegiado nem “narrador”, se bem que a exposição pedagógica precise de um).

De fato, a teoria da relatividade conta com uma rica história de mal-entendidos por parte de filósofos. Os que se originam na interpretação errada de Bergson são especialmente persistentes, como fazem notar Sokal e Bricmont num capítulo muito claro e explícito. Henri Bergson, por razões puramente filosóficas, recusou-se a aceitar as noções einsteinianas de simultaneidade e tempo próprio e procurou estender o princípio de relatividade às acelerações. Seus argumentos conduzem a previsões que contradizem experiências atualmente conhecidas. No entanto, os erros bergsonianos reaparecem na obra de filósofos posteriores, como Jankélevich, Merleau-Ponty e Deleuze.

A teoria do caos é outra vítima de maltrato em livros e ensaios bastante difundidos. Sokal e Bricmont expõem e clarificam os erros mais típicos: o caos, quer dizer, a sensibilidade às condições iniciais, não marca qualquer “limite” ou cul-de-sac da ciência; pelo contrário, tem aberto novas possibilidades de pesquisa. O caos não significa o fim do determinismo (aparece em equações perfeitamente determinísticas), ainda que obrigue a adotar um sentido probabilístico da previsibilidade comparável ao adotado em mecânica estatística no último século. O caos não significa um descrédito da mecânica newtoniana, mas sim o seu renascimento. De fato, esta última, considerada o paradigma do “pensamento linear”, leva a equações não-lineares, que algumas vezes exibem caos, se bem que a mecânica quântica, considerada mais próxima do “pensamento não-linear” preconizado pelos pós-modernistas, seja exatamente linear.

O livro é escrito de forma direta, incisiva, sem ambigüidades, pedantismo, paráfrases ou elipses. Sokal e Bricmont não se interessam pelo vôo literário nem pelas sutilezas acadêmicas; querem apresentar seus pontos de vista sem dar lugar a dúvidas. Explicam pacientemente os aspectos científicos (com ajuda de uma lista de referências que pode ser de grande utilidade para os interessados em iniciar-se nesses temas) e expõem com franqueza suas intenções: “defender os cânones da racionalidade” e da honestidade intelectual. Sua posição filosófica contraria o relativismo cognitivo e questiona as teses de Popper, Quine, Kuhn e Feyerabend (que nutrem o ceticismo epistemológico) e do “programa forte” em sociologia da ciência. Essa franqueza algumas vezes chega ao limite da agressão verbal e introduz no livro um tom quase fundamentalista, que pode provocar discussões desnecessariamente marcadas pela emoção.

Mas o legado mais importante deste livro é, precisamente, o catálogo de exemplos de erros, de falta de compreensão e até de preguiça intelectual de pensadores contemporâneos, quando analisam o conhecimento científico recente e não tão recente. É um mostruário sólido, convincente, irrecusável, que tem existência independente das opiniões dos compiladores. Está ali para que cada um ajuíze Compreensivelmente, na polêmica gerada pelo livro, ninguém põe em dúvida o fato de que os erros apontados são realmente erros. As críticas referem-se antes à relevância desses escritos na obra dos autores considerados e às intenções finais de um livro como este. Sokal e Bricmont esclarecem que não ajuízam o resto das obras dos autores analisados, mas apenas as referências à física e à matemática (todavia, gostariam que outros, mais competentes, ajuizassem tendo em conta as imposturas apontadas), nem discutem se as imposturas são premeditadas ou de boa fé (o título do livro fala de “imposturas”, e não de “impostores”). E, se bem Sokal e Bricmont confessem intenções filosóficas e até políticas, elas não vêm ao caso.

Os exemplos no livro falam por si. Para alguém com uma mínima formação científica, sugerem diversas questões para debate. Será que o hiato entre as “duas culturas” de Snow foi ampliado ou fossilizado? Será que todo um setor da intelectualidade, cuja atividade se baseia no discurso, nas argumentações teóricas, no confronto de pontos de vista, está perdendo a capacidade de compreender o método científico submetido ao controle inexorável dos experimentos? Será que a analogia injustificada e as “provas” por combinação de frases sugestivas são uma metodologia aceitável nas humanidades? Será que os argumentos baseados na precedência, inerentes às pesquisas nas humanidades, degeneraram-se num princípio de autoridade que acha os erros de Hegel mais confiáveis que 150 anos de desenvolvimento matemático? (Não é isso uma regressão aos tempos em que, quando as observações discrepavam da doutrina de Aristóteles, se preferia esta última?) Ou será que um verdadeiro menosprezo pela lógica e pelos desenvolvimentos científicos tem sido instalado em estratos visíveis da intelectualidade, perpetuado por círculos nos meios de comunicação inclinados a modas ou não qualificados e amparado na falta generalizada de formação científica, na indiferença (próxima ao pedantismo dos próprios cientistas) e numa tradição humanista de tolerância e não comprometimento, que deixa nas mãos do tempo a depuração do que vale?

É indubitável que o trabalho de Sokal e Bricmont abre a oportunidade para um debate muito saudável e necessário, o qual, se for desenvolvido com grandeza, pode inclusive catalisar uma aproximação entre a ciência e as humanidades, em sua busca comum da compreensão da natureza e do espírito humano.


Por: Roberto Fernández 
        Originalmente publicado na Folha de São Paulo, Jornal de Resenhas, 11 de Abril de 1998

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Onde estão os bons roteiros dos filmes de cinema?

Assisti recentemente a Fúria de Titãs, uma refilmagem. Gosto de mitologia, especialmente mitologia grega, mas o diretor conseguiu estragar um mito interessantíssimo ao adaptar a história ao american way of life. Perseu tornou-se um típico personagem em busca dos seus 15 minutos de fama e os titãs tornaram-se meros vilões ao estilo das décadas de 60 e 70, previsíveis, chatos e sem graça - lembram-se do seriado na TV, Batman e Robin, nessas décadas? Pow! Puf! Pof! Tabuff! Só faltou a "sonoplastia" iconográfica.

Ainda prefiro a versão anterior, sem todos os recursos tecnológicos contemporâneos, mas com muito mais imersão no mito grego antigo. Penso existir uma crise de roteiros no cinema atual (se é que não existe há mais tempo) porque os filmes aos quais tenho assistido são muito ruins: Avatar (um faroeste requentado com tecnologia 3D), Percy Jackson e o ladrão de raios (esse é a versão adolescente de Fúria de Titãs), Crepúsculo, Lua Nova e Eclipse (se vampiro for como o Edward, quero o bom e velho Drácula de minha infância: da Hammer Films Productions). Em relação à "saga" Crepúsculo cabe um comentário especial. Como transformar um interessante mito moderno em uma versão Disney do mesmo? Basta "recriá-lo" da seguinte maneira: (1) o vampiro-disneyficado só se alimenta de animais para não prejudicar os humanos. (2) Sexo só depois do casamento (o Papa até chorou com essa). (3) Brilha como diamantes quando exposto a luz do sol (cadê a fada Sininho?). (4) O símbolo-fálico por excelência do vampiro, as presas, sumiram (faltou o plano dentário). Para não falar dos lobisomens-índios guardiães das florestas (o papai Smurff deve estar orgulhoso deles). Depois disso ainda sobrou alguma coisa dos vampiros (ou dos lobisomens)? A escritora, Stephanie Meyer quer que os jovens retornem às décadas de 30 ou 40 - a "época dourada" para os neoconservadores norteamericanos.

Roteiros assim só podem ter surgido da fabulosa mistura das ideias de Sarah Palin, Al Gore e os "teóricos" do "Design Inteligente".

quarta-feira, 7 de abril de 2010

O racismo negado

Em minhas aulas surgem muitas discussões sobre a questão racial no Brasil, e o argumento mais comum contra a existência do racismo nessas terras é o Pelé. Por ser rico, Pelé não sofreria nenhum tipo de preconceito e, portanto, não haveria racismo no Brasil, mas apenas falta de desenvolvimento econômico. O argumento impressiona porque o tiro sai pela culatra. Quem assim argumenta não percebe:

1) afirma um único negro como bem sucedido (exceção, portanto) - e os outros milhões?;

2) não se segue que Pelé não tenha enfrentado preconceitos quando iniciou sua carreira e mesmo já conhecido nacionalmente (somente mais tarde, internacionalmente conhecido, passa a ser "aceito" por ser "um negro de alma branca");

3) afirma o enorme preconceito contra os menos favorecidos a fim de ocultar o preconceito racial.

Porque o Brasil ainda não resolveu as diferenças entre os muito ricos e os muito pobres, não se segue que não haja preconceitos raciais em terras brasilis. O Brasil assumiu em 1806 todas as rotas de tráfico negreiro (proibido pela Inglaterra no mesmo período) e foi o maior mercado de escravos no século XIX (Rio de Janeiro e Salvador - sendo o último país a abolir a escravidão).

É esse o país sem racismo?

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O experimento Milgram

O psicólogo social Stanley Milgram nasceu em 1933 e faleceu em 1984. Na década de 60, auge da guerra fria e início dos conflitos entre os EUA e o Vietnam, Milgram realizou dois experimentos que assombraram o mundo. No artigo seguinte Milgram demonstra a obediência sob autoridade rígida. Nesse primeiro experimento Milgram colocou pessoas em duas salas distintas. Na primeira estava um aparelho de dar choques. Na segunda as pessoas que deveriam levar choques quando fosse ordenado por uma terceira pessoa (vestida de jaleco branco e identificada previamente como "doutor"). Quando os "doutores" mandavam, as pessoas obedeciam e aplicavam choques (sem saber que eram falsos) com limiares que variavam de "dor intensa" até "fatal", sem se importarem aparentemente com os gritos que o segundo grupo apresentava (o primeiro grupo não sabia que era apenas encenação, agiam pensando ser real). O outro experimento foi realizado com dois grupos de universitários (um simulava ser de "prisioneiros", o outro de "carcereiros"). Durante o experimento os "carcereiros" começaram a maltratar os "prisioneiros" exatamente como nos prisídios reais. O experimento foi suspenso e causou enorme controvérsia. Os resultados indicaram que sob autoridade rígida muitas pessoas agem sem nenhum senso de humanidade. Boa leitura.


Milgram's personal archive reveals how he created the 'strongest obedience situation'
Stanley Milgram's 1960s obedience to authority experiments, in which a majority of participants applied an apparently fatal electric shock to an innocent 'learner', are probably the most famous in psychology, and their findings still appall and intrigue to this day. Now, in a hunt for fresh clues as to why ordinary people were so ready to harm another, Nestar Russell, at Victoria University of Wellington, has reviewed Milgram's personal notes and project applications, which are housed at Yale University's Sterling Memorial Library.

Milgram trained under Solomon Asch, author of the famous conformity experiments, and the obedience project was originally conceived as an extension of Asch's work. Milgram was going to see how the behaviour of a group of cooperating participants (actually confederates working for the researcher) influenced the naive participants' willingness to harm another. A condition in which single participants followed the experimenter's orders on their own was planned as a mere control condition.

It was during Milgram's extensive pilot work that he discovered the remarkable willingness for participants to obey instructions, without the need for group coercion, thus changing the direction of his project. The focus shifted to lone participants and Milgram began a process of trial and error pilot work to identify the perfect conditions for inducing obedience - what he described as 'the strongest obedience situation'.

Early on, Milgram recognised the need for an acceptable rationale for harming another and so he invented the cover story that the experiment was about using punishment to improve learning. To counter participants' reluctance to harm an innocent person, Milgram also devised several other 'strain resolving mechanisms'. This included replacing the final shock level label 'LETHAL' with the more ambiguous 'XXX'; removing a Nazi-sounding 'pledge to obey' from the experiment instructions; and creating physical distance between the participants and the innocent, to-be-electrocuted learner.

In fact, this latter factor worked too well. When Milgram removed any sight or sound of the learner, 'virtually all' participants showed a willingness to inflict lethal harm. Milgram realised this near-total obedience was counter-productive and would prevent his paradigm from 'scaling obedient tendencies'. For his first official experiment he therefore settled on auditory feedback only, in the form of the learner banging on the wall in distress.

Another 'strain resolving mechanism' that Milgram devised included increasing the number of levels on the shock generator. This allowed for exploitation of the 'foot in the door' persuasion effect whereby people are more likely to cooperate once they have already agreed to a less significant request - a kind of piecemeal compliance.

Milgram was also careful about the actors he chose to play the part of experimenter and learner. Though both non-professionals, the man acting as learner was chosen because he was 'mild and submissive; not at all academic' and a 'perfect victim', whilst the man playing the experimenter was 'stern' and 'intellectual looking'. Finally, Milgram was careful to plan things so that the 'experimenter', whenever challenged, replied that he was responsible for anything that happens to the learner.

Taken altogether, Russell's new analysis shows how Milgram used ad hoc trial and error pilot testing to hone his methodology and ensure his first official obedience experiment achieved such a high obedience rate (of 65 per cent). 'Knowing step-by-step how Milgram developed this result may better arm theorists interested in untangling this still enigmatic question of why so many participants inflicted every shock,' Russell said.

Fonte: http://bps-research-digest.blogspot.com/2010/04/milgrams-personal-archive-reveals-how.html