sexta-feira, 19 de março de 2010

O que é fundamentalismo?

Encontrei esse artigo do prof. Flávio Pierucci sobre o que é o fundamentalismo religioso. Boa leitura.



Criacionismo é fundamentalismo. O que é fundamentalismo?

Antônio Flávio Pierucci

Nos apreensivos dias que passamos a viver após os atentados terroristas ao World Trade Center, ao lado da palavra terrorismo, que entendemos bem, comparece insistentemente nos noticiários da TV e nas páginas dos jornais esta outra - fundamentalismo - cujo significado muitos desconhecem e à primeira vista parece ligado diretamente ao islã. De 11 de setembro para cá, não há quem não tenha ouvido falar em fundamentalismo islâmico. O que é fundamentalismo, afinal? Tem a ver com religião? Qual religião?

O termo nasceu, sim, em contexto religioso. De fato, sua origem é cristã, não islâmica, e desde o início o nome foi usado para designar um movimento cristão: o fundamentalismo protestante. Tanto a coisa quanto o nome "fundamentalismo" surgiram e se firmaram nas primeiras décadas do século passado, nos Estados Unidos: 1910, 1914, 1919, 1920, 1925 são datas marcantes da primeira onda fundamentalista. Como figura histórica original, o fundamentalismo é cristão, ocidental e protestante. Mais especificamente, filho do protestantismo conservador do sul dos Estados Unidos. O estado do Tennessee é seu ícone geográfico.

Designação fortemente pejorativa hoje em dia, é curioso como a palavra inglesa fundamentalism foi, de início, um nome orgulhosamente auto-aplicado por seus próprios portadores para se distinguir dos protestantes "liberais", deturpadores da "verdadeira" fé cristã revelada na Bíblia. Uma autodesignação orgulhosa de si e não, como hoje soa, uma acusação que a faz sinônimo de morbidez fanática, um insulto dirigido a terceiros demarcando uma alteridade.

A profissão de fé fundamentalista, que emerge numa declaração da igreja presbiteriana em 1910, continha cinco pontos fundamentais: a veracidade absoluta da Bíblia; o nascimento virginal de Jesus; a ressurreição física de Jesus; a autenticidade de seus milagres, prova de sua divindade; a expiação dos pecados pelo sacrifício de Cristo tornando desnecessária a expiação pelas obras. Esses fundamentals of faith [itens fundamentais da fé] foram explicados e divulgados em doze livrinhos de teologia, escritos entre 1910 e 1915, só que sem a designação de fundamentalismo, pois tal nome ainda não fora inventado. Quando o reverendo Curtis Lee Laws, editor do jornal batista Watchman Examiner, inventou o termo fundamentalism em 1920, o nome foi honrosamente incorporado por seus colegas batistas e presbiterianos como algo que traduzia bem o empenho deles de irem à luta "pelos fundamentos da fé" contra o protestantismo liberal.

Seu objetivo básico era defender o princípio da plena inspiração divina da Bíblia. Para os fundamentalistas, a Bíblia foi totalmente inspirada por Deus, tintim por tintim, em todas as particularidades e minudências. Por isso a Bíblia não erra, não pode errar: esta é a doutrina da "inerrância bíblica", noutras palavras, da infalibilidade da letra das Escrituras, da autoridade inquestionável daquilo que está escrito na Bíblia, e do modo como está escrito. Se está escrito na Bíblia que Deus, para criar o homem, primeiro fez um boneco de barro e em seguida insuflou-lhe a vida, é porque foi assim mesmo que aconteceu e ponto final. Estando escrito no Livro sagrado, não há o que discutir: assim pensa o fundamentalista protestante (e, por extensão, o judeu fundamentalista em relação à Torá, o muçulmano fundamentalista em relação ao Alcorão, o católico fundamentalista em relação aos dogmas pontifícios e conciliares promulgados em latim). É como pensa todo e qualquer fundamentalista: a coisa - seja a narração de um fato ou a definição de um princípio - tem que constar de uma escritura divinamente calçada para assim poder servir de base segura nas dúvidas e controvérsias. A palavra escrita por inspiração divina, em vez de ser o ponto de partida para especulações intelectuais, discussões doutrinárias e controvérsias teológicas, deve ser tratada e reverenciada como o tira-dúvidas último, o tira-prosa nas discussões.

Para que haja fundamentalismo numa religião é necessário, portanto, que haja uma escritura divinamente revelada ou assistida, de preferência por um Deus único. Como atitude e estrutura de pensamento, o fundamentalismo é monoteísta de berço e constituição. Em seu DNA estão inscritos dois traços distintivos básicos: o apego literal à Bíblia e o monoteísmo. Sua preocupação primeira é com a verdade única revelada pelo Deus único no Livro sagrado.

Noutras palavras, fundamentalista é quem se apega à letra da palavra revelada como sendo a única verdade, quem nutre a convicção de que o texto escriturístico está livre de erros humanos, e só a interpretação literal tem cabimento e validade. Quer dizer que só pode ser fundamentalista quem erige na centralidade de sua fé a letra, a literalidade de uma Escritura Sagrada divinamente inspirada por um Deus único. Antes de ser fundamentalista é preciso ser monoteísta. O muçulmano pode ser fundamentalista, o judeu, o protestante, até mesmo o católico. Já o hindu ou o taoísta, dificilmente. Para o adepto do candomblé ou da umbanda, religiões sem livro sagrado, é impossível ser fundamentalista.

Fundamentalismos são fenômenos típicos das religiões monoteístas. Que são três, todas originárias do Oriente Médio, as chamadas religiões abraâmicas: judaísmo, cristianismo e islã. Não é por acaso que o islã as denomina, todas as três, "religiões do Livro". É por isso que, quando se deixa de lado como traço essencial do fundamentalismo o monoteísmo escriturístico - que supõe que a verdade, assim como a divindade, é uma só, a verdade é una, não havendo nem podendo haver outras verdades além dela -, deixa-se de compreender muito de sua força e de seu significado no mundo contemporâneo. Religiões politeístas e panteístas não podem ser fundamentalistas, não conseguem sê-lo. É por isso que toda vez que um jornalista ou comentarista fala em "fundamentalismo budista", por exemplo, dá para perceber que a análise resulta forçada. Além de distorcer o objeto referido, o próprio termo sai enfraquecido dessa extensão, perde o gume, fica frouxo, evasivo, alusivo. Perde a utilidade, a meu ver.

O adversário interno ao campo protestante, contra o qual o fundamentalismo se insurgiu, eram os partidários da então chamada "teologia liberal", entusiastas dos métodos de crítica histórica e crítica literária para exegese e interpretação da Sagrada Escritura.

Já o adversário externo principal era a ciência moderna. Mais especificamente, a ciência biológica, na qual se condensa desde o final do século XIX a mentalidade científica. A atitude experimental diante do mundo natural e da vida, representada então pelo darwinismo (o evolucionismo biológico, segundo o qual o homem descende dos macacos por seleção natural), hoje é representada pelo empenho na clonagem animal. Não deixa de ser interessante observar como o fundamentalismo, por excelência um movimento do século XX, adentra com todo viço e vigor no século XXI, dotando de extrema visibilidade suas características de resistência e reação contra a cultura científica e a política secularizada produzidas e difundidas mundo afora pelo Ocidente moderno.

Dentre os cinco pontos "fundamentais da fé", o primeiro foi o que desde o início ganhou destaque máximo no ativismo dos fundamentalistas protestantes: a inerrância do livro revelado, com o foco dirigido para a narrativa bíblica da criação do homem. Esta se tornou uma espécie de obsessão dos fundamentalistas protestantes, que em contraposição aos "evolucionistas" passaram a se chamar de "criacionistas".

A oposição à teoria da evolução biológica tornou-se o tópico central da primeira onda fundamentalista. Uma espécie de febre que, por ironia da vida, acabaria contaminando seu próprio nome, carregando-o de conotações negativas. Depois do famoso julgamento de John Scopes, professor de biologia que em 1925 foi condenado pelo tribunal de Dayton, Tennessee, por ter violado uma lei estadual que proibia o ensino da teoria da evolução nas escolas públicas, o nome "fundamentalista" iria passar de lisonja a ofensa, um rótulo desagradável de levar. É que, alçada pelos jornalistas em item de ampla audiência na América dos anos 1920, a querela anti-evolucionista logo assumiu as dimensões de luta cultural "entre Deus e o macaco". Noutras palavras, entre a Bíblia e Darwin, a religião e a ciência, a ortodoxia bíblica e a biologia, o obscurantismo e a lucidez, o fanatismo e a inteligência, em suma, entre o pré-moderno (ou antimoderno) e o moderno. Nessas oposições binárias que pipocavam nos noticiários, o segundo termo passou a arrebatar para si o sinal positivo. Foi uma interessante reviravolta mediada pela mídia: perante a opinião pública, a agressiva militância fundamentalista acabou maculando seu nome com a pecha de intolerância-com-ignorância.

Isso explica um pouco por que hoje o jornalismo ocidental parece dispor apenas de nomes ofensivos para designar o radicalismo político-religioso dos movimentos islâmicos atuais. Se, para evitar dizer que são "tradicionalistas", "integristas", "rigoristas", "fanáticos", "exaltados", etc. se disser que são "fundamentalistas", isto implica aludir à sua intolerância intelectual e intransigência antimoderna. Implica apontar para sua recusa, não da modernização tecnológica, mas da modernidade cultural, sua rejeição da ciência, da razão, do espírito crítico, da história.

Um cristão fundamentalista, quando bebe diretamente no texto bíblico, pode de repente topar com a máxima "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" e encontrar nessas palavras de Jesus uma boa razão para separar a autoridade religiosa do governo. Hoje, no mundo muçulmano, os diversos grupos fundamentalistas são político-religiosos, não somente religiosos. São todos eles partidários de um retorno ao texto do Alcorão para aí, na fonte, beber os referenciais religiosos, morais, sociais e políticos do renascimento da "era muçulmana", do "islã como cultura total". Todos convergem na concepção de que a conquista do poder político é uma ferramenta indispensável para a implantação do "verdadeiro" islã, o islã total. Eis aí, nessa passagem ao político, nessa escolha da conquista do poder do Estado como escala obrigatória na rota de um projeto civilizador total, uma outra dimensão na qual o ativismo islâmico revigora seu coração justamente e, com isso, partilha esta característica própria do integrismo religioso: a de implementar a verdadeira religião em todas as esferas da vida.

Nesta ponta o fundamentalismo islâmico encontra seu lado inevitavelmente integrista. É que o ímpeto caracteristicamente fundamentalista de ir em busca das origens primeiríssimas, de revalorizar a letra do Alcorão e aí reencontrar a inspiração original, termina por jogá-lo de volta à idade de ouro, ao momento fundador triunfal da conquista militar de Meca, em 630. E aí, então, o que se redescobre para reavivar e reviver é um islã inseparavelmente religião-e-política, uma teocracia holista e monista: uma coletividade político-religiosa sob domínio da Lei, só que esta Lei é divina e imutável. Intocável. Durma-se com um barulho desses.

(Grifos do autor)

Antônio Flávio Pierucci é professor do Departamento de Sociologia da USP, especialista em sociologia da religião e teoria sociológica alemã.

Fonte: http://www.espiritualidades.com.br/Artigos_M_R/Pierucci%20_Ant_fundamentalismo.htm

sábado, 6 de março de 2010

Razões da desrazão

Encontrei outro texto do Prof. Dr. Antonio Ozaí da Silva. Nesse ele analisa os exageros de uma pretensa racionalidade formal.

Discordo do Prof. Antonio quando em seu texto afirma ser a "apologia da razão(...) um tipo de miopia (...)". O filósofo alemão Jürgen Habermas procurou diferenciar o uso instrumental da inteligência (narcísico e, portanto, não ético) de seu uso comunicativo (ético e dialógico). Ainda que os dois sejam parecidos, não se deve confundi-los. Razão é tanto capacidade de autocrítica quanto de crítica. Não existe nenhuma crítica ou autocrítica no extermínio de milhões de pessoas ainda que se utilize de todo o aparato tecnológico disponível à época.

Minha discordância se deve, em parte, aos relativismos extremos apregoados aos quatro ventos em nossa época. Embora o colega não endosse necessariamente esse tipo de apelo, é importante afirmar a necessidade da racionalidade ainda que ele esteja correto quanto àqueles que se pretendem oniscientes por possuírem diplomas universitários. Mas é fundamental diferenciarmos razão, enquanto possibilidade de diálogo aberto, de um uso não ético de nossas inteligências. Essa última não deve ser confundida com razão, mas com o cinismo, narcisista, arrogante e pragmático ao qual o autor, perspicazmente, denomina de "ignorante titulado", e eu de desrazão.


A impotência da argumentação racional
(ou quando 2+2=5)


No fim, o partido anunciaria que dois e dois são cinco, e todos teriam que acreditar. Era inevitável que o proclamasse mais cedo ou mais tarde: exigia-o a lógica de sua posição. Sua filosofia negava tacitamente não apenas a validez da experiência como a própria existência da realidade externa. O bom senso era a heresia das heresias. E o que mais aterrorizava não era que matassem o cidadão por pensar diferente, mas a possibilidade de terem razão.

(George Orwell, 1998: 78)

A estupidez tornou-se tão comum quanto era antes o senso comum; e isso não significa que se trata de um sintoma da sociedade massificada ou que as pessoas “inteligentes” estejam poupadas dessa doença. A única diferença é que a estupidez permanece felizmente inarticulada entre os não-intelectuais e torna-se insuportavelmente repulsiva entre os “inteligentes”. Em meio à intelligentsia, pode-se até mesmo dizer que quanto mais inteligente um indivíduo vem a ser, mais irritante é a estupidez que compartilha com todos os outros.
(Hannah Arendt, 1993: 45)



Em 1984, de George Orwell, o torturador afirma à vítima: “Não apenas destruímos nossos inimigos; nós os modificamos. Compreendes o que quero dizer?” (ORWELL, 1998: 235) O objetivo do algoz não é apenas o de arrancar a confissão do torturado. Este, ao praticar a crimidéia [1] , comete o maior dos crimes: questionar a verdade do Partido e do Big Brother. Não basta arrepender-se ou acatar a verdade instituída: é preciso estar convicto, introjetar os ensinamentos da doutrina, render-se por “livre e espontânea vontade”. Trata-se de convencer-se de que a realidade não existe fora do âmbito do pensamento único ditado pelo Partido. Portanto, a realidade é moldada à verdade absoluta determinada pelo sistema totalitário: 2 + 2 pode resultar em 5.

Parece absurdo imaginarmos que em algum momento da história algum ser humano aceitou convictamente tal verdade. Mas o que foram os processos inquisitórios senão a tentativa de introjetar dogmas? Que foram os famosos processos de Moscou senão a submissão a uma verdade inquestionável? Como explicar que milhares de pessoas tenham aceitado consciente e voluntariamente as verdades apregoadas pelos nazistas e tenham amparado seus crimes? Como compreender que milhões nutram ódio étnico e racial? E as teorias que intentam legitimar a escravidão e o genocídio? Se milhares e milhões podem aceitar tais verdades, então, o raciocínio de que 2 + 2 é igual a 5 não é tão absurdo.

No cotidiano nos deparamos com atitudes semelhantes. Há momentos em que os fatos cientificamente comprovados são inócuos diante da verdade ideologicamente estabelecida e dos preconceitos profundamente disseminados. O crítico que busca ir para além da aparência e dos discursos altissonantes e oficias é tachado de ressentido, pessimista e outros epítetos.

Nestas circunstâncias, o absurdo toma ares de verdade. O pensar acrítico toma como verdade o discurso que melhor se ajusta à realidade imediata. Ele olha mas não vê; pensa mas não raciocina; trabalha com discursos prontos e idéias preconceituosas sobre os que pensam diferentemente. Seu horizonte não vai além do bolso ou do seu nariz. Seu pensamento expressa o senso comum ideologicamente modelado.

Porém, o senso comum também tem aspectos positivos. Para Hannah Arendt, o senso comum é a parcela de sabedoria herdada que todos temos em comum e difere da lógica:
“A distinção política principal entre o senso comum e a lógica é que o senso comum pressupõe um mundo no qual todos cabemos e onde podemos viver juntos, por possuirmos um sentido que controla e ajusta todos os dados sensoriais estritamente particulares àqueles de todos os outros; ao passo que a lógica, e toda auto-evidência de que procede o raciocínio lógico, pode reivindicar uma confiabilidade totalmente independente do mundo e da existência de outras pessoas”. (1993: 48)

O conhecimento não formal, produzido nas relações cotidianas entre as pessoas é valorizado. Este conhecimento está relacionado à subjetividade, a um sentir que induz ao compromisso ético com o mundo em que vivemos, à compreensão. Em Arendt, compreender distingue-se tanto da informação correta quanto do conhecimento científico. Nesta concepção, compreensão “é a maneira especificamente humana de estar vivo” e nada tem a ver com a idéia comumente aceita de que compreender é perdoar. Compreender é um processo interminável, uma forma de reconciliação com o mundo, com uma realidade que não necessariamente perdoamos. Assim, podemos compreender os crimes dos ditadores, dos nazistas etc., mas isto não significa perdoá-los. Como afirma Arendt, “ao compreendermos o totalitarismo não estaremos perdoando coisa alguma, mas antes, reconciliando-nos com um mundo em que tais coisas são definitivamente possíveis.” (Id. 39)

Ora, o conhecimento racional e científico, forjado nas universidades, pode prescindir do humano; muitas vezes, imagina-se mesmo acima do humano. O pensamento totalitário utiliza a autoridade da cientificidade e objetividade para justificar a barbárie. Não foram os cientistas, indivíduos bem informados, os que praticaram experiências genéticas contra os judeus e que desenvolveram teorias que procuravam justificar o holocausto? Não foram indivíduos instruídos e diplomados em cursos superiores que organizaram a máquina de extermínio que ceifou milhões de vidas humanas (do transporte às câmaras de gás e o sumiço dos cadáveres)? [2] Na ex-União Soviética e outros países ditos comunistas, a psiquiatria não foi usada como instrumento de repressão política? Os regimes ditatoriais latino-americanos não contaram com a cumplicidade de médicos na tortura de prisioneiros políticos?

O elogio ao senso comum e ao saber informal não resulta necessariamente na condenação do saber científico e formal, ou vice-versa. Contudo, é preciso reconhecer os limites do saber dito científico e negar a este suas pretensões de constituir o único saber legítimo. O diálogo entre o professor Long e o pastor Mathieu, personagens criados por Célestin Freinet (1998), expressa de forma exemplar os dilemas, limites e contradições dessa relação. Eles nos mostram que progresso técnico não resulta necessariamente em progresso humano e que a instrução nem sempre torna o homem melhor.

O intelectualismo que desconsidera o saber popular é tão perigoso quanto a ignorância e a alienação das massas. O ignorante titulado, igualmente alienado e descomprometido, imagina-se superior aos simples mortais e tem a pretensão de encarnar a verdade, a qual deve ser pregada aos incautos. Este tipo de intelectual imagina-se iluminado e capaz de iluminar o caminho dos outros. Arrogante, como se estivesse no Olimpo, desvaloriza o saber informal e o saber prático. Não percebe seus limites a arrisca-se a se afogar nas águas que acolhem os narcisistas.

Estes especialistas se arrogam guardiões da ciência e do conhecimento diplomado, e, em sua redoma protetora contra as influências do que consideram descartável, tornam-se insensíveis diante da realidade social, descartam e deturpam a compreensão. Assim, abrem caminho para a doutrinação. Esta, por sua vez, transcende o domínio do racional, substituindo-o por afirmações que se supõem evidentes e necessárias. A doutrinação destrói a compreensão preliminar, isto é, o senso comum, a linguagem popular que confere significado ético ao conhecimento. Como escreve Arendt:
“Se o cientista, desorientado pelo próprio labor de sua investigação, começa a bancar o especialista em política e despreza a compreensão popular da qual partiu, ele perde de imediato o fio de Ariadne do senso comum, a única coisa que pode guiá-lo com segurança por entre o labirinto de seus próprios resultados. Se, por outro lado, o estudioso deseja transcender seu próprio conhecimento – e a única forma de dar significado ao conhecimento é transcendê-lo – , ele deve tornar-se humilde e voltar a ouvir com muito cuidado a língua do povo, na qual palavras como totalitarismo são empregadas diariamente como clichês políticos e mal empregadas como rótulos para restabelecer o contato entre o conhecimento e a compreensão.” (1993: 42)

Pois, é a linguagem popular, expressão do senso comum e da compreensão preliminar, que permite chegarmos à verdadeira compreensão; a nos colocarmos diante dos dilemas humanos, desenvolvermos a capacidade de se indignar diante do sofrimento humano e assumirmos um compromisso ético. Do contrário, de que adianta todo o conhecimento científico acumulado e o domínio das mais confiáveis informações?

Winston, personagem central do livro de Orwell, evolui para esta compreensão na medida em que se humaniza. Funcionário do Partido no Departamento de Registros, onde forja-se o presente e o futuro com a falsificação e controle do passado, tem o conhecimento mas não compreende. Sua humanidade encontra-se subsumida na verdade do Partido, o qual representa o conhecimento verdadeiro. Aqui, não há espaço para o senso comum, pois o regime do Grande Irmão suprime tudo o que aparenta sentimentos, individualidades e as relações humanas. [3]

Winston reencontra sua humanidade nos proles, a parcela abjeta da sociedade. Ele percebe que os proles:
“Eram governados por lealdades particulares que não punham em dúvida. O que importavam eram relações individuais, e podia ter valor em si um gesto completamente irrelevante, um abraço, uma lágrima, uma palavra dita a um moribundo. De repente, ocorreu-lhe que os proles tinham continuado assim. Não eram leais a um partido, país ou ideologia, eram leais aos seus semelhantes. Pela primeira vez na vida não desprezou os proles nem pensou neles apenas como força inerte que um dia ganharia vida e regeneraria o mundo. Os proles tinham continuados humanos. Não se haviam endurecido por dentro. Haviam conservado as emoções primitivas que ele próprio tivera de reaprender por esforço consciente. E assim raciocinando ele se lembrou, sem ligação aparente, de como vira, havia algumas semanas, uma mão amputada na rua e como a chutara para a sarjeta, como se fosse um talo de couve.” (ORWELL, 1998: 155-56)

Winston não suporta a pressão e trai a si mesmo, o seu amor por Júlia e a sua humanidade. Mas, por momentos, é-lhe evidente a necessidade de manter a humanidade. “Se podes sentir que vale a pena continuar humano, mesmo que isso não dê o menor resultado, terás vencido os torturadores.”, diz ele à sua amada. (Id.: 157)

Conservar a humanidade é essencial. O saber científico não elimina a possibilidade da barbárie, antes pode contribuir para justificá-la, se “simplesmente sabemos sem ainda compreender contra o que lutamos, sabemos e compreendemos menos ainda pelo que estamos lutando.” Então seremos presas fáceis à manipulação dos doutrinadores de plantão, escravos da verdade absoluta ou simplesmente indivíduos resignados. E, desta forma, perderemos a capacidade de intervir politicamente e de reagir criticamente diante da realidade. No final, a miséria material e espiritual passa a ser justificada com argumentos darwinistas: os mais aptos sobreviverão e dominarão; os outros serão dominados e descartados.

A apologia da razão, isto é, do saber acadêmico formal, resulta num tipo de miopia que, aliada a um certo elitismo narcisista, impede a percepção das fragilidades da argumentação racional. Infelizmente, a história comprova-o. Oxalá, tenhamos aprendido! Oxalá, como desejava Hannah Arendt, tenhamos o dom de um coração compreensivo. Talvez não seja má idéia voltarmos, à maneira de Rousseau, a privilegiarmos o sentimento.



[1] Um dos episódios mais estarrecedores descritos em 1984, ocorre quando Winston, na prisão, encontra Parsons. “És culpado?”, pergunta-lhe Winston. A resposta ilustra bem o significado da crimidéia:

“ – Naturalmente sou! – gritou Parsons, com uma olhadela servil à placa de metal. – Não crês que o Partido prenda inocentes? – A cara de rã acalmou-se um pouco, chegou a tomar uma expressão sentimental. – Crimidéia é uma coisa horrível, velho – afirmou, sentencioso. É insidiosa. Pode te pegar sem que te dês conta. Sabes como foi que me pegou? No sono. Sim, é fato. Lá estava eu, trabalhando duro, procurando fazer meu dever, sem nunca saber que tivesse nada de mau na cabeça. E daí comecei a falar dormindo. Sabes o que me ouviram dizer?

Baixou a voz como Alguém que se vê obrigado a pronunciar uma obscenidade, por ordem do médico ou do juiz.

– Abaixo o Grande Irmão! Sim, foi o que eu disse.”

Parsons foi denunciado por sua filhinha, que o escutou através do buraco da fechadura. “Não me queixo dela. Com efeito, tenho orgulho dela”, afirma. (ORWELL, 1998: 216-17)

[2] Os funcionários que organizaram e fizeram funcionar essa máquina da morte alegaram, no final da guerra, que apenas cumpriam ordens. Com efeito, como bem observou Postman (1994: 93-94): “O burocrata considera as implicações de uma decisão apenas até o ponto em que ela irá afetar as operações eficientes da burocracia, e não assume nenhuma responsabilidade por suas conseqüências humanas. Desse modo, Adolf Eichmann torna-se o modelo básico e metáfora de um burocrata da Era do Tecnopólio.”

[3] Como notou Howe (1994: 184): “1984 projeta um pesadelo no qual a política substitui a humanidade e o Estado sufocou a sociedade. Num certo sentido, é um livro profundamente antipolítico, cheio de ódio pelo tipo de mundo no qual reivindicações públicas destroem as possibilidades da vida pessoal.”



Fonte: Revista Espaço Acadêmico, n. 27, III Ano, Agosto/2003.

Autor: ANTONIO OZAÍ DA SILVA
Professor no Departamento de Ciências Sociais (UEM) e doutorando na Faculdade de Educação (USP)

Algumas ponderações sobre a intolerância

Encontrei esse artigo do Prof. Dr. Antonio Ozaí da Silva (Universidade Estadual de Maringá - PR) em minhas "andanças" pela Internet. O texto apresenta questões-chave sobre a intolerância. Boa leitura.


Reflexões Sobre a Intolerância



Historicamente, a intolerância está presente na esfera das relações humanas fundadas em sentimentos e crenças religiosas. É uma prática que se autojustifica em nome de Deus; adquire o status de uma guerra de deuses encarnados em homens e mulheres que se odeiam e não se suportam. Heinrich Mann (1993:11), em A Juventude do Rei Henrique IV, fornece uma descrição que nos permite visualizar os efeitos da intolerância religiosa:

“Mas no país inteiro também se incendiava e matava em nome das crenças inimigas. A diferença das crenças religiosas era levada profundamente a sério, e transformava as pessoas que normalmente nada separava em inimigos extremados. Algumas palavras, especialmente a palavra missa, tinham efeito tão terrível que um irmão tornava-se incompreensível e de sangue estranho para outro”.[1]

José Saramago (2001) denominou este ódio recíproco fundado em valores religiosos como “O Fator Deus”:

“De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus”.

A história das grandes religiões monoteístas – o cristianismo, islamismo e o judaísmo – indica momentos de convivência respeitosa, mas também períodos de intolerância entre as diversas religiões e a intra-religião.[2] Os diversos fundamentalismos, cristão, judaico e islâmico, comprovam-no. O fundamentalismo se caracteriza pela resistência aos processos de modernização das sociedades, em todas as épocas. Os primeiros a utilizar este termo foram os protestantes americanos, os quais passaram a se autodenominar “fundamentalistas” com o objetivo de se diferenciarem do protestantismo considerado “liberal”. Para os “fundamentalistas” os protestantes liberais “distorciam inteiramente a fé cristã. Eles queriam voltar às raízes e ressaltar o “fundamental” da tradição cristã, que identificavam como a interpretação literal das Escrituras e aceitação de certas doutrinas básicas”. (ARMSTRONG, 2001: 10)

Na Idade Média, a intolerância religiosa se intensificou contra os judeus e os heréticos em geral. “Os inquisidores caçavam dissidentes e os obrigavam a abjurar sua “heresia”, palavra que em grego significa “escolha”, escreve Armstrong. (Id.: 24) A Inquisição na Espanha oprimiu os judeus, forçou-os à conversão ao cristianismo e, finalmente, expulsou-os da península. Esta se tornaria uma prática comum em outras épocas e outras nações. Com a identificação entre religião e política, entre as diferentes facções do cristianismo (católicos, protestantes, anglicanos etc.) e os respectivos governos representativos dos Estados-Nações, a perseguição aos dissidentes é intensificada e também motivada pelos interesses políticos em disputa. A inquisição espanhola, por exemplo, foi usada para “forjar a unidade nacional”. Mas a utilização deste recurso não se restringiu ao catolicismo romano. Como relata Armstrong: “Em países como a Inglaterra seus colegas protestantes também foram implacáveis com os “dissidentes” católicos, tidos igualmente como inimigos do Estado”. (Id.)

Com a formação e consolidação dos Estados nacionais modernos, a intolerância vincula religião e política, identificando uma à outra. O herege religioso é visto como um desafiante da ordem política monárquica; o dissidente político é encarado como um desafiador do dogma religioso adotado pelo Estado-nação. Dessa forma,

“a intolerância religiosa assumiu formas especialmente virulentas, porque se julgava que a solidez do poder absoluto do rei dependia da aplicação do princípio de que a religião do povo deveria ser a religião do príncipe. Desencadeadas por um massacre de protestantes ocorrido em 1562, as guerras de religião da França se caracterizaram por atrocidades sem precedentes, como a matança de São Bartolomeu (25 de agosto de 1572), e só terminaram mais de 20 anos depois, quando Henrique 4º assinou o Edito de Nantes, concedendo liberdade de culto aos protestantes (1598). Mas a longa história da perseguição à religião reformada ainda não havia terminado, pois em 1685 Luís 14 revogou o Edito de Nantes, o que levou à demolição dos templos, à proibição das assembléias e à emigração forçada de cerca de 300 mil protestantes. Mas estes eram tão intolerantes quanto os católicos”. (ROUANET, 2003)

A política terminaria por impor a sua autonomia em relação ao poder religioso. Então, a intolerância tomou a forma de lutas ideológicas. Maquiavel já anunciara este caminho quando, ainda no renascimento, advogou que os fins justificam os meios, em outras palavras, que a razão do Estado deve se impor a despeito dos meios utilizados. Nestas condições, o problema para Maquiavel não está em usar a violência, mas em saber usá-la, na intensidade certa e no momento oportuno. Em defesa do florentino, observemos que trata-se da construção do Estado e das necessidade deste expressar a autoridade soberana e absoluta. Thomas Hobbes retoma este tema no século XVII, com a defesa de um Estado absolutista, o Leviatã, ao qual submetemos a nossa liberdade. As liberdades dos súditos ficariam restritas aos interstícios onde o soberano não alcança, no mais ele é absoluto. Estes autores expressam a idéia de que o poder político não deve admitir concorrentes, ou seja, o poder político deve ser autônomo em relação ao poder religioso.

Mas a violência e a opressão, observou Baruch Spinoza, não podem promover a fé. Judeu, vítima da intolerância por parte da sua própria comunidade, ele foi acusado de ateísmo e excomungado pelos rabinos. Spinoza passou a viver à margem da religião judaica estabelecida. Sua atitude contribuiu e é referência para os judeus secularistas, isto é, aqueles que sem negar o judaísmo abdicaram do abrigo da religião. A sua excomunhão expõe um dos principais problemas relacionado à intolerância: a necessidade da liberdade de expressão.

John Locke, no mesmo século de Spinoza, na Carta Acerca da Tolerância defende que a autoridade política não pode se arvorar a função de definir a crença dos indivíduos. Por maior que seja a sua capacidade repressiva, a autoridade política é incapaz de impor plenamente uma crença religiosa – esta só tem valor se é livremente aceita. John Locke conclui pela imperiosa necessidade de distinguir os âmbitos da autoridade política e religiosa, isto é, de definir claramente os papéis do Estado e da Igreja. Para Locke (1978: 05-06)

“... não cabe ao magistrado civil o cuidado das almas, nem tampouco a quaisquer outros homens. Isto não lhe foi outorgado por Deus; porque não parece que Deus jamais tenha delegado autoridade a um homem sobre outro para induzir outros homens a aceitar sua religião. Nem tal poder deve ser revestido no magistrado pelos homens, porque até agora nenhum homem menosprezou o zelo de sua salvação eterna a fim de abraçar em seu coração o culto ou fé prescritos por outrem, príncipe ou súdito. Mesmo se alguém quisesse, não poderia jamais crer por imposição de outrem. (...)

Em segundo lugar, o cuidado das almas não pode pertencer ao magistrado civil, porque seu poder consiste totalmente em coerção. Mas a religião verdadeira e salvadora consiste na persuasão interior do espírito, sem o que nada tem qualquer valor para Deus, pois é a natureza do entendimento humano, que não pode ser obrigado por nenhuma força externa. Confisque os bens dos homens, aprisione e torture seu corpo; tais castigos serão em vão, se se esperar que eles o façam mudar seus julgamentos internos acerca das coisas”.

Segundo o filósofo inglês, ainda que o poder civil fosse capaz de converter os homens à religião, isto em nada contribuiria para a salvação destes. Ocorre que as diferentes autoridades que representam o poder civil adotam diferentes religiões, embora o mesmo Deus. Ora, Deus está além das nações e territórios delimitados e dominados pela autoridade civil. A presunção desta em cuidar e salvar as almas, conforme o seu entendimento de Deus, “salientaria o absurdo e a inadequação de Deus, pois os homens deveriam sua felicidade eterna ou miséria simplesmente ao acidente de seu nascimento”. Locke conclui, portanto, que “todo o poder do governo civil diz respeito apenas aos bens civis dos homens, está confinado para cuidar das coisas deste mundo, e absolutamente nada tem a ver com o outro mundo”. (Id.: 06).

Locke passa então a argumentar sobre as características da Igreja, definida como uma “sociedade de homens livres, reunidos entre si por iniciativa própria para o culto público de Deus”. (Id.) Com a interpretação dos dogmas e da doutrina pelos homens difere no tempo e no espaço, é necessário que desenvolvam uma tolerância mútua. Nenhum indivíduo tem o direito de atacar ou prejudicar outrem porque este professa uma religião diferente. “Todos os direitos que lhe pertencem como indivíduo, ou como cidadão, são invioláveis e devem ser-lhes preservados. Deve-se evitar toda violência e injúria, seja ele cristão ou pagão”, escreve Locke. (Id.: 09) A despeito destas palavras, os homens continuaram a se matarem, a perseguirem e a destituir os bens dos outros pelo simples e absurdo argumento de que estes professavam outra religião. A história do povo judeu é ilustrativa do quanto a intolerância religiosa, aliada a fatores econômicos, sociais e políticos, pode ser prejudicial.

Não obstante a defesa da tolerância, Locke advogou a necessidade de restringir a tolerância. Para ele “não devem ser toleradas pelo magistrado quaisquer doutrinas incompatíveis com a sociedade humana e contrária aos bons costumes que são necessários para a preservação da sociedade civil”. O poder civil não deve tolerar, ainda, os

“que atribuem para si mesmos a crença, a religião e a ortodoxia, e em assuntos civis se atribuem qualquer privilégio ou poder acima de outros mortais; ou que sob pretexto da religião reivindicam qualquer espécie de autoridade sobre os homens que não pertencem à sua comunidade eclesiástica, ou os que de certo modo estão separados dela, a estes, digo, não cabe qualquer direito a ser tolerado pelo magistrado, nem tampouco aqueles que recusam ensinar que os dissidentes de sua própria religião devem ser tolerados”. (Id: 22-23)

Por que o poder civil não pode transigir? Locke argumenta que os defensores de tais doutrinas advogam a tolerância numa perspectiva instrumentalista, isto é, enquanto expediente para se fortalecerem e, quando considerarem necessário, atacarem “as leis da comunidade, a liberdade e propriedade dos cidadãos”. Portanto, não cabe aos mesmos o direito de serem tolerados. Por fim, o filósofo da tolerância nega igualmente esta prerrogativa aos ateus.“Os que negam a existência de Deus não devem ser de modo algum tolerados”, afirma. Eis a sua argumentação:

“As promessas, os pactos e os juramentos, que são os vínculos da sociedade humana, para um ateu não podem ter segurança ou santidade, pois a supressão de Deus, ainda que apenas em pensamento, dissolve tudo. Além disso, uma pessoa que solapa e destrói por seu ateísmo toda religião não pode, baseado na religião, reivindicar para si mesma o privilégio de tolerância. Quanto às outras opiniões práticas, embora não isentas de erros, se não tendem a estabelecer domínio sobre outrem, ou impunidade civil para as igrejas que as ensinam, não pode haver motivos para que não devam ser toleradas”. (Id.: 23-24)

Independente de concordarmos com os seus argumentos, devemos admitir que John Locke desvenda a complexa relação tolerância-intolerância. Observemos que mesmo um pensador liberal não toma a tolerância de um ponto de vista puro e abstrato. A tolerância tem limites os quais, ultrapassados, colocam em risco as relações humanas e a própria convivência na sociedade. É absurdo, por exemplo, se falar em tolerância quanto se advoga idéias racistas. Em situações como esta, a tolerância deve dar lugar à intransigência. Devemos ter em conta o alerta de que, em várias situações, “as teorias e práticas predominantes de tolerância” expressam, “em graus variáveis, máscaras hipócritas a ocultar aterradoras realidades políticas”. (WOLFF, MOORE JR e MARCUSE: 1970: 10)
Razão e irracionalidade

Como nota Sergio Paulo Rouanet (2003), a intolerância é “uma atitude de ódio sistemático e de agressividade irracional com relação a indivíduos e grupos específicos, à sua maneira de ser, a seu estilo de vida e às suas crenças e convicções”. Trata-se de uma forma de pensar e agir que “se atualiza em manifestações múltiplas, de caráter religioso, nacional, racial, étnico e outros”. A história das sociedades humanas até o presente é uma história de permanente intolerância. É claro que em meio à crueldade e barbárie resultante de intolerâncias mútuas, há sopros de convivência pacífica fundada no respeito e tolerância. Contudo, como escreve Umberto Eco (2003: 193), “é como se nos dois últimos séculos, e ainda antes, esse nosso mundo tivesse sido percorrido por sopros de intolerância, esperança e desespero, todos juntos”. Observemos que o autor se refere ao século XIV – no qual contextualiza o seu célebre romance O Nome da Rosa. Porém, estas palavras permanecem válidas em nosso presente e, em especialmente, se retornarmos no tempo e no espaço histórico.

Se a história nos fornece exemplos da irracionalidade que nutre os barbarismo que envergonham as gerações posteriores, ela também oferece modelos de resistência e de tolerância. A literatura, por sua vez, também expressa uma enorme contribuição. Mais do que os tratados filosóficos, sociológicos etc., a literatura tem a vantagem de trabalhar sobre a matéria bruta, os personagens criados em toda a sua plenitude e fragilidade que caracterizam o humano. Nestes, o racional e o irracional mesclam-se em atitudes e contextos que ilustram as nossas contradições e dilemas. A literatura contribui ainda para a compreensão dos contextos históricos e também para uma análise sociológica, política e filosófica dos caminhos percorridos por nossos ancestrais e dos desafios que temos diante da nossa geração e das que virão.

Tomemos o romance de Umberto Eco: este traduz as lutas internas na Igreja Católica, em torno de questões aparentemente bizantinas, mas que expressam na essência o problema do poder sobre a instituição, a sociedade e os homens e mulheres. Esta luta por verdades que se tornem autorizadas e definitivas, indica a necessidade não apenas de suprimir outras verdades, mas também os seus portadores. Em outras palavras, a intolerância carrega em si a necessidade da eliminação física do oponente.

Dostoiévski percebeu esta dimensão. No limite, o inquisidor condenaria à fogueira o próprio Cristo. O clássico autor russo, em sua estupenda criatividade, imagina na fala do seu personagem, em Os Irmãos Karamázovi, como reagiriam os homens e mulheres e, principalmente a Igreja Católica Apostólica Romana, enquanto instituição, se Jesus Cristo ressurgisse. “Apareceu docemente, sem se fazer notar, e – coisa estranha – todos o reconheciam”, escreve. Ele retorna em meio à multidão, em frente à Catedral de Sevilha, no momento em que carregavam o caixão de uma criança de sete anos. “Se és tu, ressuscita minha filha”, diz-Lhe o sofrido pai. Cristo contempla-o cheio de compaixão e sua voz pronuncia docemente: “Talitha Kumi” – “Jovem, levanta-te”.[3] A criança ressuscita e multidão extasiada, chora e grita. Neste momento, diante dele surge o grande inquisidor:

“É um ancião quase nonagenário, de elevada estatura, de rosto dessecado, olhos cavados, mas onde luz ainda uma centelha. Não traz mais a pomposa veste com a qual se pavoneava ontem diante do povo, enquanto eram queimados os inimigos da Igreja Romana. Retomara sua velha batina grosseira. Seus sombrios auxiliares e a guarda do Santo Ofício seguem-no a uma distância respeitosa. Detém-se diante da multidão e observa de longe. Viu tudo, o caixão depositado diante dele, a ressurreição da menininha, e seu rosto ensombreceu-se. Franze suas espessas sobrancelhas e seus olhos brilham com um clarão sinistro. Aponta o dedo e ordena aos guardas que prendam. Tão grande é o seu poder e o povo está de tal maneira habituado a submeter-se, a obedecer-lhe tremendo, que a multidão se afasta imediatamente diante dos esbirros; em meio dum silêncio de morte, estes o pegam. Como um só homem, aquele povo se inclina até o chão diante do velho inquisidor, que o abençoa sem dizer palavra e prossegue seu caminho”. (DOSTOIÉVSKI, 1970: 187)

Cristo é preso, acusado de estorvar o trabalho da Santa Madre Igreja, feito em seu nome. E, em nome de Deus, muitos serão perseguidos, torturados e queimados. A heresia precisa sucumbir às chamas junto com o próprio herege. Em outras épocas, braços armados substituirão as labaredas, e corpos e mentes hereges foram encarcerados, até que, executados, se extingam no tempo e espaço. Os regimes totalitários aperfeiçoaram este mecanismo macabro. George Orwell, em 1984, percebeu o significado da nova inquisição. Como analisado em “A impotência da argumentação racional (ou quando 2+2=5)”, não se trata mais de destruir a vítima ou arranca-lhe a confissão que o salve – se não o corpo, pelo menos a alma. “Não apenas destruímos nossos inimigos; nós os modificamos. Compreendes o que quero dizer?”, afirma o torturador à vítima. Isto significa que não basta arrepender-se ou acatar a verdade instituída: é preciso estar convicto, introjetar os ensinamentos da doutrina, render-se por “livre e espontânea vontade”. Trata-se de convencer-se de que a realidade não existe fora do âmbito do pensamento único ditado pelo Partido. E, se este afirma que 2+2 resulta em cinco, é preciso aceitar tal verdade.[4]

O dogma do partido e do Estado é racionalizado. Não se trata mais do ódio subjetivo, mas de um ódio fundado na razão e instrumentalizado: o fanático e sectário manifesta sua intolerância como se esta fosse uma necessidade racional, em prol de objetivos humanitários, não raras vezes, fundamentado num discurso justificador das atrocidades cometidas em nome da humanidade ou dos oprimidos.

A intolerância ultrapassa, portanto, os limites da irracionalidade. Não se pode acusar o dogmático de agir apenas motivado pelos sentimentos; quando se trata de guerras ideológicas, há que se considerar o que se poderia denominar como a Razão do Estado incorporada pelos indivíduos que agem em seu nome. Não raro, atitudes bárbaras encontram justificativas e defensores racionais. Novamente, a metáfora do grande inquisidor, nos ajuda a compreender:

“... queres ir para o mundo de mãos vazias, pregando aos homens uma liberdade que a estupidez e a ignomínia naturais deles os impedem de compreender, uma liberdade que lhes causa medo, porque não há e jamais houve nada de mais intolerável para o homem e para a sociedade! Vês aquelas pedras naquele deserto árido? Muda-as em pão e atrás de ti correrá a humanidade, como um rebanho dócil e reconhecido, tremendo, no entanto, no receio de que tua mão se retire e não tenham eles mais pão”. (DOSTOIÉVSKI, 1970: 189)

Os homens e mulheres preferem o pão (segurança) à liberdade. Eis o argumento do grande inquisidor. O ser humano está disposto a sacrificar a liberdade em nome da segurança, e, para que esta prevaleça, aceita todos os meios – ainda que estes contradigam a própria noção de civilização do mundo ocidental. Os eventos posteriores ao 11 de setembro de 2001 e os recentes episódios envolvendo militares norte-americanos em sessões de tortura no Iraque, comprovam-no.

A intolerância, portanto, tem um fundamento irracional, mas também racional. Em nome da segurança, o homem aceita racionalmente a intolerância do Estado contra outros povos e culturas – tomados em geral como um todo homogêneo que ameaça a ordem interna. Por outro lado, os indivíduos, organizados na chamada sociedade civil, podem impor leis e normas que impeçam ou limitem as manifestações de intolerância institucionalizada.

Mas seria ingênuo debitarmos a intolerância à capacidade do Estado e das classes dirigentes em manipular o povo simples para a defesa de interesses econômicos e políticos particularistas. É certo que as desavenças em torno da fé também atendiam aos objetivos do poder político e das classes dirigentes, mas a verdade é que isto só se torna possível porque os indivíduos internalizam a aversão e ódio ao outro, ao que pensa ou manifesta sua fé de maneira diferente da dele. A intolerância está enraizada em nosso ser, introjetada em nossa mente. Ela se manifesta tanto nas grandes questões que envolvem disputa políticas e territoriais, guerra entre deuses etc., mas também em nossos costumes e na forma como encaramos o diferente.

Victor Hugo, em Os Trabalhadores do Mar, nos dá um exemplo de intolerância fundada nos costumes e na resistência conservadora das velhas gerações em relação ao que se apresenta como novo. Seu personagem principal, Gilliatt, tem a antipatia da comunidade simplesmente porque não compartilha dos seus preceitos e tinha um modo de vida considerado estranho. Mas há também o preconceito em relação ao desenvolvimento industrial, isto é, o aparecimento do navio a vapor. Comentando a reação dos pescadores, o autor, com fina ironia, escreve:

“A esses bons pescadores de então, outrora católicos, agora calvinistas e sempre beatos, pareceu-lhes aquilo o inferno flutuante. Um pregador da terra tratou da questão: “Temos nós o direito de fazer trabalhar juntos o fogo e a água que Deus separou?” Aquele animal de ferro e fogo não era a imagem de leviatã? Não era isso refazer o homem, a seu modo, o primitivo caos?”. (HUGO, 2003: 59)

A máquina foi assemelhada a uma criatura daquele cujo nome é impronunciável. Aqui Victor Hugo reafirma um dos fundamentos do preconceito e da intolerância: a insegurança e o medo. “Os habitantes simplórios das costas e dos campos aderiam à reprovação pelo incômodo que lhes causava a novidade”, afirma. A máquina assusta o camponês, mete-lhe medo. (Id.: 60) Por trás da resistência ao novo e do medo, havia na verdade uma disputa de cunho econômico: a máquina permitia um melhor transporte da carga, com maior rapidez e garantindo sua preservação. Portanto, potencializava-se os lucros e, por conseguinte, os prejuízos dos que não dominavam esta tecnologia:

“Todos os proprietários de navios de carreira entre a ilha guernesiana e a costa francesa clamaram imediatamente. Denunciaram aquele atentado feito às Santas Escrituras e ao monopólio. Alguns templos fulminaram. Um reverendo, por nome Elihu, chamou ao vapor uma libertinagem. O barco à vela foi declarado ortodoxo. Viu-se distintamente que eram pontas do diabo as pontas dos bois que o vapor trazia e desembarcava. Durou o protesto um bom par de dias”. (Id.: 63)

Com o tempo, começaram a perceber as vantagens econômicas propiciados por esta máquina demoníaca. Os espíritos conservadores arrefeceram-se e alguns arriscaram-se a adotar o Devil-Boat. A necessidade econômica, da mesma forma que alimentou o preconceito e a intolerância, forneceu os elementos para a sua superação. Como em outras conjunturas históricas, o fator econômico foi precisamente o sustentáculo da intolerância – pelo menos até que esgotasse as suas potencialidades velhas e desse lugar ao latente, o novo.

Concluindo...

Estas são questões presentes em nossa época e que demonstram a complexidade do tema – tanto é que a lei civil trata de proteger os indivíduos e coletividades em relação aos abusos da liberdade de expressão. John Locke nos faz ver que o combate à intolerância exige uma atitude de tolerância, mas também de intolerância – quando esta se faz necessário. Mas, quem decide quando este ou aquele indivíduo, esta ou aquela religião, esta ou aquela coletividade, não pode ser tolerada? Numa sociedade onde os interesses se contrapõem e se antagonizam, quem interpreta, por exemplo, quais são os “bons costumes” e o que é prejudicial aos mesmos?

Afinal, quais as restrições à tolerância? Mesmo o mais ferrenho defensor da liberdade de expressão pode se ver diante de circunstâncias que a questione. Por exemplo, é possível tolerar a liberdade de expressão quando esta ataca a religião e os bons costumes? Imaginando uma sociedade democrática, é possível tolerar a liberdade de expressão para aqueles que colocam em risco a democracia? Podemos, em nome da tolerância, admitir a livre expressão de literatura de cunho racista e preconceituoso? É possível tolerar culturas que cometem atentados aos direitos humanos em nome do respeito ao multiculturalismo?

No século XVIII, Voltaire, em seu Dicionário Filosófico, se perguntava: “O que é a intolerância?” E, respondia: É o apanágio da humanidade. Estamos todos empedernidos de debilidades e erros; perdoemo-nos reciprocamente nossas tolices, é a primeira lei da natureza”. Há muito que a humanidade padece deste mal. O preconceito religioso, étnico, político, cultural, ou seja, a incapacidade humana em se reconhecer no “outro” e respeitá-lo é, sem sombra de dúvidas, um fator essencial gerador da intolerância. Mas seria insuficiente tentar encontrar respostas para a intolerância apenas nestes fatores. É preciso considerar as formações societárias específicas, os contextos históricos diferenciados. Constantemente, o preconceito e a intolerância são estimulados por motivos essencialmente econômicos. Por exemplo, a sociedade escravagista necessita desenvolver uma teoria justificadora da pretensa superioridade racial dos brancos para impor a estrutura econômica produtiva fundada no trabalho escravo. No entanto, o fator econômico não esgota a questão. Até mesmo fatores de ordem psíquica devem ser levados em conta. Neste processo, a Educação cumpre um papel fundamental, seja no sentido de contribuir para a introjeção do preconceito e, assim, fortalecer atitudes intolerantes; seja para construir uma sociedade sem espaço para o preconceito, com respeito mútuo entre os diferentes.

As sociedades humanas passaram por transformações substanciais, mas estas não extinguiram o preconceito nem a intolerância. O projeto iluminista fundado na crença da razão enquanto fator de progresso humano fracassou. O século XX gerou barbáries como o holocausto e as guerras “em nome de Deus” permanecem atuais. No mundo globalizado pós-11 de setembro, o preconceito e a intolerância se funda em novas formas e procura se legitimar por um discurso ocidental, estimulado pelo Império, cujas conseqüências imediatas é a criminalização de qualquer crítica à sua hegemonia, a qualificação indiscriminada de “terrorista” e as restrições às liberdades individuais e à própria democracia, em nome da segurança. As potências atuais resgatam o grande Leviatã e, na “guerra de todos contra todos”, todos somos suspeitos em potenciais. Neste contexto, os movimentos de migrações humanas, os inúmeros campos de refugiados espalhados pelo mundo, potencializam uma realidade explosiva: a crise econômica capitalista, a concorrência pelo emprego, o aumento da desigualdade social, a convivência entre diferentes culturas etc. Estes elementos geram um campo minado no qual as atitudes os preconceitos e intolerância ganham audiência e teorias legitimadoras.

No Brasil, não é diferente. Impactado pelas transformações em âmbito mundial, carregamos ainda a triste realidade de uma dívida social, herança da nossa formação histórica e das políticas econômicas adotadas pelos diferentes governos. À desigualdade social que grassa em nossa sociedade, soma-se a discriminação racial e o preconceito de classe. Não se trata de repetir estatísticas, por demais conhecidas. Convivemos com as injustiças sociais e raciais, as quais são até transformadas em obras cinematográficas de sucesso (de certa forma, até a miséria se transforma em objeto de consumo e também fonte de renda). O abismo da desigualdade social se amplia e as esperanças são renovadas a cada governo. Em tais condições, o preconceito e a intolerância, aberto ou dissimulado, tende também a perdurar. Este se faz presente em todos os espaços: no trabalho, nas escolas, nas universidades, nos meios de comunicação em geral, etc. Contribuir para transformar esta realidade é também um compromisso dos intelectuais com responsabilidade social diante do mundo em que vive, com o seu país e com os que econômica e culturalmente desfavorecidos.

À intolerância religiosa soma-se a intolerância política, cultural, étnica e sexual. A inquisição está presente no cotidiano dos indivíduos: no âmbito do espaço domestico, nos locais do trabalho, nos espaços públicos e privados. Ela assume formas sutis de violência simbólica e manifestações extremadas de ódio, envolvendo todas as esferas das relações humanas. A intolerância é, portanto, uma das formas de opressão de indivíduos em geral fragilizados por sua condição econômica, cultural, étnica, sexual e até mesmo por fatores etários. Muitas vezes nos surpreendemos ao descobrir a nossa própria intolerância.

A construção de uma sociedade fundada em valores que fortaleçam a tolerância mútua exige o estudo das formas de intolerância e das suas manifestações concretas, aliado à denúncia e combate a todos os tipos de intolerância. Por outro lado, a tolerância pressupõe a intransigência diante das formas de intolerância e fundamenta-se numa concepção que não restringe o problema da tolerância/intolerância ao âmbito do indivíduo; esta é também uma questão social, econômica, política e de classe.



* [1] Esse período de intensas guerras religiosas envolvendo o continente europeu, que gerou barbáries como a Noite de São Bartolomeu (1572), também é tratado no romance A Rainha Margot, de Alexandre Dumas.

[2] Sergio Paulo Rouanet (2003) enfatiza: “De modo geral, a intolerância religiosa era desconhecida na Antiguidade clássica, politeísta e portanto hospitaleira aos deuses de outras nações. A intolerância só se tornou possível com o advento do cristianismo, que afirmava a existência de um só Deus e de uma só revelação para a humanidade inteira”.

[3] São Lucas, 7, 14. Palavras em linguagem aramaica, pronunciadas por Jesus Cristo quando da ressurreição do filho da viúva de Nain.

[4] O personagem Rubachov, em O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler, também exemplifica essa máxima: “O Partido nunca pode errar – disse Rubachov . – Eu e o camarada podemos cometer um erro. O Partido não. O Partido, camarada, é mais do que você e eu e milhares de outros como você e eu. O Partido é a corporificação da idéia revolucionária da História. A História não conhece escrúpulos nem vacilações. Inerte e infalível, ela marcha para o seu alvo. Em cada curva do seu percurso deixa a lama que arrasta e os cadáveres afogados. A História conhece o seu caminho, não erra. Quem não tem fé absoluta na História não pertence às fileiras do Partido”. (KOESTLER, 1964: 31-32)


Fonte: Revista Espaço Acadêmica, n. 37, 2004 - mensal

Autor: ANTONIO OZAÍ DA SILVA 

Docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM), membro do Núcleo de Estudos Sobre Ideologia e Lutas Sociais (NEILS – PUC/SP), do Conselho Editorial da Revista Margem Esquerda e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo.