sábado, 14 de agosto de 2010

Uma pequena homenagem a José Saramago (1922-2010)

Posso discordar das posições políticas de Saramago. Posso considerá-lo um ideólogo de velhas ideais marxistas. Posso nem mesmo apreciar sua vasta produção literária, mas afirmar como fez L’Osservatore Romano (jornal oficial do Vaticano) que ele foi um “populista extremista”, embora concorde que foi antirreligioso, e por bons motivos, é descabido.

Saramago alcançou fama internacional por meio de sua literatura, não por ser um “populista extremista”. E provocou a ira da maior instituição religiosa do planeta, especialmente, por seus dois livros: O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991) e Caim (2009). L’Osservatore escreveu: "Ele dizia que perdia o sono só de pensar nas Cruzadas ou na Inquisição, esquecendo-se dos gulags, das perseguições, dos genocídios e dos samizdat (relatos de dissidentes da época soviética) culturais e religiosos". Discordo. O escritor português não disse em nenhum lugar aceitar gulags, perseguições, genocídios, samizdat ou seja lá que tipo de intolerância fosse. Aliás, é por não aceitar intolerâncias que causou a fúria do Vaticano, cuja história é exatamente contrária a de Saramago. Enquanto o escritor lusitano insistia em um mundo com mais compaixão, a maior igreja do mundo esconde casos de pedofilia, de agressões as freiras por padres, e quer esquecer as Cruzadas e a Inquisição como algo do passado, mas continua apregoando aos quatro ventos ideias absurdas do não uso de preservativos ou planejamento familiar em nome de dogmas insustentáveis, com todas as consequências em torno das doenças sexualmente transmissíveis e da miséria que assolam vários lugares do planeta.

Mas não me estenderei muito em defender Saramago porque penso que ele é maior do que o dogmatismo que tanto combateu (ainda que eu conceda que suas ideias comunistas eram caducas e potencialmente contrárias a sua visão de um mundo melhor). E também penso que uma luz lusitana apagou-se para sempre deixando o mundo um lugar com muito menos imaginação literária. Saramago não precisa de minha defesa. Ele já é parte da história no âmbito da literatura mundial. E jamais instituiu qualquer cruzada, perseguição, genocídio, gulag. O mesmo não se pode dizer da igreja-Estado. E para mim isso é que conta.

Nenhum comentário: