domingo, 17 de outubro de 2010

Psychopath Check List - Revised

O psicólogo canadense, Robert Hare, desenvolveu uma escala para avaliar o transtorno de personalidade antissocial vulgarmente chamada de "psicopatia". A escala PCL-R (Psychopath Check List - Revised) possui os seguintes critérios:


1) loquacidade/charme superficial;

2) autoestima inflada;

3) necessidade de estimulação/tendência ao tédio;

4) mentira patológica;

5) controle/manipulação;

6) falta de remorso ou culpa;

7) afeto superficial;

8) insensibilidade/falta de empatia;

9) estilo de vida parasitário;

10) frágil controle comportamental;

11) comportamento sexual promíscuo;

12) problemas comportamentais precoces;

13) falta de metas realísticas em longo prazo;

14) impulsividade;

15) irresponsabilidade;

16) falha em assumir a responsabilidade pelos próprios atos;

17) muitos relacionamentos conjugais de curta duração;

18) delinqüência juvenil;

19) revogação de liberdade condicional e

20) versatilidade criminal.


OBS.: O teste somente deve ser aplicado por especialistas e indica tendências, necessitando de outras análises. Não basta uma mera identificação com os critérios acima para se julgar alguém como "psicopata".


Fonte: www.scielo.br/pdf/rbp/v28s2/04.pdf

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Tropa de Elite 2: o inimigo agora é outro

No segundo episódio de Tropa de Elite, José Padilha (o diretor), Rodrigo Pimentel (ex-comandante do BOPE e corroteirista) e Bráulio Mantovani tentam se livrar do fantasma do adjeitivo "fascista" associado ao filme na Europa. Para quem não entendeu a reação europeia e pensou ser mais uma discriminação devido ao filme ser brasileiro é só se colocar no lugar de um europeu, o qual viveu a 2a Guerra Mundial: quem se vestia de preto, possuía uma caveira como símbolo e invadia as casas, matando quem encontrassem pela frente? Entendeu? Bem, para quem não se lembra da história mundial, o BOPE tem bastante similiridade com a GESTAPO (polícia secreta de Hitler). E para quem ache forçada a comparação, por ter sido o regime nazista baseado no racismo, qual é a etnia da maioria dos moradores das comunidades carentes? Daí a reação europeia.

No segundo episódio os roteiristas politizam a temática do filme. Dessa vez o problema não é apenas o narcotráfico, mas a própria estrutura política do país, a qual sustenta todas as formas de corrupção. E o agora tenente-coronel Nascimento é apenas uma consequência dessa estrutura. Embora eu tenha gostado mais desse episódio do que do primeiro, a ideia de toda a estrutura política ser a causa dos nossos problemas não é nova. Mas o que mais me chamou a atenção é que o defensor dos direitos humanos no filme, a quem o tenente-coronel Nascimento tanto atacava, será o único em quem ele realmente poderá confiar. Apesar da ingenuidade política do personagem, sua visão linear da realidade, sua tendência fascista acobertada por uma população cuja cultura tem forte viés autoritário, o coronel Nascimento acaba finalmente entendendo o que os defensores dos direitos humanos tanto denunciam: não se resolve os problemas da desigualdade com mais desigualdade, nem com um aparato policial treinado, estritamente, para matar as classes subalternas; a questão é muito mais profunda e muito mais complexa do que o combate ao crime organizado nas áreas menos favorecidas.

O filme põe o dedo em uma ferida de muito difícil cicatrização. Se a sociedade de um país quiser resolver os seus problemas sociais, a mera policialização não será a solução, ainda que seduza as classes mais favorecidas por serem elas as menos afetadas por esse tipo de "resposta" aos problemas sociais.

Na sala onde assisti ao filme todos saíram em silêncio. O ar ficou pesado ao final do filme. Como definiu a colega de trabalho de minha esposa: "O filme é um soco no estômago". Será?

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O valor da Filosofia

É recorrente a questão sobre o valor da Filosofia enquanto saber. Isso por pensarmos o valor do saber desde que associado à prática ou ao fazer algo. É recorrente a ideia de a crítica ser ineficaz e, portanto, desnecessária, sendo a ação o que realmente importa. Será isso verdade?

O Prof. Vitor Guerreiro (Universidade do Porto) demonstra o porquê dessa desvalorização do saber filosófico em detrimento de um pretenso saber prático.


Para que serve a filosofia?


Vítor Guerreiro
(Universidade do Porto)


Lembro-me de há vários anos ter visto um livro sobre as frases mais insensatas dos filósofos. A referência exacta não é realmente importante. Nesse livro citava-se supostos exemplos das afirmações filosóficas mais insensatas. Uma delas, se não me engano (se estiver enganado tanto faz), era a “11.ª Tese sobre Feuerbach,” de Marx: “Os filósofos têm-se limitado a interpretar diversamente o mundo, a questão, porém, é transformá-lo.” Outra era um aforismo de Nietzsche que já não recordo. Também não é importante. Não estou directamente interessado em mostrar por que razões esta afirmação de Marx em particular é insensata (embora o faça depois), nem por que os aforismos de Nietzsche valem tanto quanto os aforismos opostos do grande e carismático filósofo inexistente Ehcsztein.

Estou mais interessado em desmontar outra ideia, da qual a tese de Marx é uma versão mais restrita — a ideia de que a filosofia não serve para coisa alguma. A diferença entre a tese de Marx e esta ideia é que podemos pensar que a filosofia é inútil sem pensarmos que é inútil por não ser uma “arma de arremesso” na transformação política da sociedade. Podemos ter outras motivações para pensar que a filosofia é inútil. Contudo, mostrar o que está errado na afirmação de Marx é uma boa maneira de compreender o que está errado no cepticismo acerca do valor da filosofia em geral.

A ideia da inutilidade da filosofia deve muito a uma tendência comum que as pessoas têm para pensar que aquilo a que dão mais importância é a única coisa que tem importância. Assim, é normal, mesmo na filosofia, as pessoas acharem que os problemas que mais lhes interessam são os únicos problemas relevantes. Uns acham que a filosofia política é que é, ao passo que a metafísica geral são só uns quebra-cabeças para entreter quem anda com a cabeça no ar e não vive neste mundo. Para outros, só os problemas acerca da linguagem são realmente importantes, ao passo que, digamos, a filosofia da arte é apenas um divertimento pueril (não é o “verdadeiro atletismo intelectual,” por assim dizer). Ora, é natural que o indivíduo com uma inclinação semelhante mas cujas preocupações não incluam qualquer destes problemas pense que a filosofia em bloco não serve para coisa alguma (“Por que perdes tempo a estudar essas coisas? Aprende antes a...”). No fundo, todas são manifestações da mesma atitude de desprezo para com aquilo que à primeira vista não nos parece relevante: um pouco como um engenheiro que considere irrelevante tudo o que não seja saber como fazer as pontes manterem-se de pé e os edifícios não desabarem em cima das pessoas, confundindo a importância destas coisas com a irrelevância daquelas.

No caso de Marx, a atitude não é particularmente sábia, uma vez que se queremos mudar o mundo, não será má ideia tentar compreendê-lo tão bem quanto possível. O próprio Marx passou anos a escrever O Capital, que é também uma “interpretação do mundo.” Na filosofia, como na ciência, a questão é saber quais das nossas interpretações são verdadeiras. Tanto a obra Sobre a Origem das Espécies, de Charles Darwin, como um ensaio sobre epistemologia ou metafísica são interpretações do mundo (ou de aspectos do mundo). Mas não é particularmente sábio apoucar a obra de Darwin por ser “apenas” uma interpretação do mundo, independentemente de a transformação política do mundo ser ou não um item na nossa lista de prioridades. Afinal, a reciclagem do lixo também pode estar na nossa lista de prioridades mas isso não diminui, só por si, a importância do teatro.

Neste ponto, um defensor do cepticismo acerca do valor da filosofia podia talvez alegar que enquanto a ciência nos ajuda realmente a compreender o mundo a filosofia não o faz. Mas nesse caso é irrelevante se a questão é ou não a de transformar o mundo. A questão é saber se a filosofia nos ajuda ou não a compreender melhor o mundo. O que fazemos depois com essa compreensão é outra coisa.

Mas permite a filosofia compreender melhor o mundo? Considere-se, por exemplo, a ideia de que tudo o que há para saber acerca do mundo só pode ser conhecido empiricamente. É evidente que não podemos conhecer empiricamente a verdade ou falsidade desta interpretação; só podemos descobrir essa verdade ou falsidade reflectindo intensamente sobre aquilo com que nos comprometem as interpretações do mundo que podemos justificadamente aceitar como verdadeiras. Ou seja, para saber se a filosofia nos ajuda a compreender melhor o mundo temos de fazer filosofia, visto que não podemos mostrar empiricamente o contrário.

Contudo, não vou insistir no carácter autoderrotante do cepticismo acerca do valor da filosofia, para o qual se chamou mais de uma vez a atenção em vários artigos aqui publicados. Não é só dando resposta aos problemas filosóficos fundamentais que a filosofia nos ajuda a compreender melhor o mundo. Se não pensarmos cuidadosamente, podemos ficar inicialmente muito impressionados com afirmações insustentáveis; ou podemos ser levados a aceitá-las ou rejeitá-las pelas razões erradas. Deparo-me frequentemente com situações que mostram como as pessoas podem beneficiar de uma formação filosófica elementar. Na sua maioria, estas situações dizem respeito à falta de formação no manuseamento de conceitos, incapacidade de formular claramente ideias e de compreender as suas relações, uso desastrado do léxico filosófico básico e confusões categoriais.

Eis apenas alguns exemplos que me ocorrem: confundir contingência com temporalidade; condições necessárias, com propriedades essenciais; metafísico, com imaterial; validade, com verdade; falacioso, com falso; expressão, com representação; abstracto, com conceptual; noções epistemológicas, com noções metafísicas. A lista poderia continuar. Assim, é fácil numa conversa tropeçarmos em inferências deste género: “Nasci português, portanto ser português é uma propriedade essencial minha.” Neste caso, confunde-se o que é essencial com a inalterabilidade do passado.

Outro aspecto importante é que a mera erudição não diminui a probabilidade de fazermos confusões deste género, se não beneficiarmos ao mesmo tempo de uma formação elementar em filosofia. Esta formação elementar não pode consistir apenas na leitura solitária de textos. Ler muitos textos de filosofia não nos ajudará a ter um pensamento mais organizado se não nos habituarmos a testar as nossas ideias discutindo com outras pessoas que se interessam pelos mesmos problemas. A mera erudição sem o hábito de testar argumentativamente as nossas ideias, em particular através da discussão intensa com outros, é o que leva por vezes mesmo alguns filósofos a fazerem afirmações bombásticas mas pouco sensatas. E se nós próprios não beneficiarmos dessa formação, seremos tentados ou a ignorar o que os filósofos disseram, ou a avaliá-los não pelo modo como defenderam argumentativamente as suas ideias, mas pelo maior ou menor poder sugestivo das suas afirmações, incluindo os aforismos menos sensatos mas muito bombásticos.

Mesmo que pensemos que a filosofia só interessa aos filósofos, a verdade é que usamos constantemente termos filosóficos e fazemos afirmações cujo âmbito é filosófico e não científico. Isto é inevitável. Não podemos deixar de pressupor e usar ideias acerca da natureza fundamental da realidade, da natureza do tempo, da identidade pessoal, do livre-arbítrio, do valor moral, do valor estético, da natureza do conhecimento ou da justificação das nossas crenças, entre vários outros tópicos que na filosofia são estudados de um modo sistemático e cuidado. Recusar a filosofia não é o mesmo que conseguir efectivamente eliminar os pressupostos filosóficos das nossas interpretações do mundo, tal como ignorar a ciência não nos salva de ter crenças falsas acerca de Marte. Em ambos os casos, apenas ficamos mais ignorantes.


Fonte: www.criticanarede.com

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Por que a genialidade é mais do que apenas algo inato

Eis um artigo fascinante e ao mesmo tempo polêmico. Fascinante porque desmitifica a ideia de gênios nascerem prontos. Polêmico porque mexe em um vespeiro de vaidades associadas ao conceito de genialidade inata. Vale a pena lê-lo com cuidado.


Receita para virar gênio: 10.000 horas de dedicação apaixonada


Sempre me irritei com a ideia de que existam superdotados, gênios fora-da-curva na população, muito superiores cognitivamente do que a maioria das pessoas. A razão dessa irritação é que eu nunca encontrei uma pessoa que pudesse realmente chamar de gênio. Pessoas cultas, inteligentes sim, mas gênio eu nunca vi.

Foi no meu primeiro ano de pós-doutoramento nos EUA que tive a oportunidade de conhecer cientistas que haviam feito descobertas importantes na biologia, as quais eu admirava. Entre eles, alguns prêmios Nobel. Era um encontro anual, promovido pela fundação Pew, que financiava minha bolsa na época. Iria me reunir pela primeira vez com gênios em potencial. Eu e outros brasileiros estávamos super ansiosos para o encontro.

A possibilidade de encontrar um gênio pela primeira vez me fez perder a timidez e conversar ativamente com diversas personalidades da academia americana, além dos concorridos prêmios Nobel. O sotaque curioso e o fato de ser brasileiro contribuíram para facilitar o entrosamento, afinal já chegamos rotulados de exóticos. Papo vem, papo vai, chego ao final do congresso decepcionado, pois nenhuma daquelas pessoas era um gênio para mim. Não me interpretem mal: os pesquisadores foram excelentes, com uma visão científica e crítica muito mas apurada que a média. Realmente inteligentes, sem sombra de duvida. Gênios, fora-da-curva? Não.

Minha opinião contrastava radicalmente com a de meus entusiasmados colegas, que não paravam de elogiar o quão geniais eram esses caras. Nem ousei verbalizar o que tinha achado com medo de parecer convencido. Pior, podia muito bem ser minha reduzida capacidade mental que não sabia apreciar a genialidade dos geniais. Tudo bem, estava pronto para aceitar o fato e tentar melhorar. Mas acho que a maior razão para essa minha opinião vem do fato de que as pessoas bem-sucedidas em determinadas áreas dominam muito bem apenas a sua arte. No entanto, não demonstram a mesma fluência em contextos diferentes. Durante o papo com aqueles cientistas moleculares, percebi que sabiam tanto de economia quanto eu.

Mais para frente em minha carreira, decidi organizar uma série de seminários, com pesquisadores bem-sucedidos. A proposta era ter, por uma hora, o palestrante discorrendo sobre sua carreira, criatividade, como as ideias afloram etc. Consegui financiamento do instituto (na época estava no Salk, em La Jolla) e comecei a convidar as personalidades. O convite era sempre aceito com muita empolgação e curiosidade sobre esse novo conceito de seminário. Durante dois anos, trouxe convidados famosos no meio acadêmico, de Oliver Sacks até diversos Nobéis. Todos brilhantes, interessantes, nenhum gênio.

Recentemente encontrei alguém que pensa parecido. Na verdade, vai além. É um desmascarador de gênios. O autor, Malcolm Gladwell, chegou a escrever um livro sobre isso (Outliers ou “Fora de Série” em Português), onde descreve a história de diversas personalidades “geniais” e como foi que se destacaram em suas respectivas artes sem precisar de um QI anormal. Entre os gênios desmascarados, encontram-se Bill Gates, Mozart e até os Beatles.

O autor explora o conceito da pequena vantagem inicial. Segundo essa ideia, aqueles que foram favorecidos em estágios iniciais de suas carreiras teriam mais chances de ser bem-sucedidos no futuro por causa de um acúmulo gradual de oportunidades. Além disso, o autor aponta duas outras características das celebridades (não no conceito deturpado, coloquial, mas no conceito real, daquele que fez algo célebre). Primeiro, o oportunismo. Bill Gates só conseguiu ser programador na sua época de estudante porque teve acesso a um dos únicos computadores que permitiam programação direta nos EUA.

A outra característica são as dez mil horas de dedicação exclusiva. Lennon e Paul só deram o salto criativo com os Beatles depois de dez mil horas tocando num strip club em Hamburgo nos anos 60. Mozart só tocava música dos outros aos 13 anos, aos 17 era considerado bom, mas só depois dos 23 é que virou um virtuose. Durante os treinos, acumulou as dez mil horas necessárias para o salto qualitativo. A hipótese foi testada com jogadores de xadrez e, aparentemente, funcionou. O “talento” para jogar xadrez como um mestre “aparece” depois de anos de prática exclusiva.

Vale notar que, em todos os exemplos, a vantagem inicial, o oportunismo e as dez mil horas de treinamento não garantem que você se torne uma celebridade instantânea. Existe um algo mais que é essencial. Isso eu aprendi conversando com os palestrantes que vinham contar suas histórias. Posso dizer que a maioria, de uma forma ou de outra, se qualificava no processo de criação de Gladwell. Mas o que faz a pessoa realmente especial é a paixão pelo assunto. A paixão é que faz você passar pelas dez mil horas de trampo como se fosse um hobby. Talvez seja por isso que os gênios só estão acima da média quando o assunto é apaixonante para eles.

Por isso mesmo, acho uma babaquice escolas ou programas para superdotados ou pais que se gabam que o filho começou a ler aos 2 anos de idade, muito antes dos outros amiguinhos. É tão importante assim a leitura dos livros aos 2 anos de idade? O que realmente importa é o que a criança vai fazer com essa vantagem daqui a alguns anos e não com 2, 8 ou 11 anos de idade. Eles ainda vão precisar de uns 20 anos até fazer alguma contribuição especial para a humanidade.

Uma pesquisa nos EUA, que acompanhou a trajetória de vida de crianças com os mais altos QIs de uma geração, mostrou que eles não se deram melhor que o resto. A maioria das pessoas de sucesso tem QI na média da população da sua geração.

Mas talvez realmente existam casos reais de genialidade inerente. A grande variabilidade cognitiva humana permite essa possibilidade. Mas para a grande maioria dos casos, a minha conclusão é simples: aqueles classificados de “gênios” não têm um talento natural, mas uma paixão obsessiva pelo que fazem. A paixão sozinha não vai garantir o sucesso, mas é o primeiro passo. Sem esse amor incondicional por uma atividade, você jamais será classificado como genial.


Fonte: g1.globo.com

Coluna: Espiral - Alysson Muotri