quinta-feira, 5 de março de 2009

O irracional sem peias - versão século XXI

Desde o Renascimento o pensamento religioso (herdeiro da Antigüidade) e o pensamento científico moderno confrontam-se. Nos séculos XVII, XVIII e XIX esse confronto alternou momentos de maior e menor tensão. No século XX, pelo menos até as décadas de 60 e 70, esta tensão pareceu ter sido superada. A partir da década de 80 grupos religiosos fundamentalistas reacenderam a eterna chama obscurantista de plantão e passaram a atacar sistematicamente as bases do pensamento racional e científico.
Aproveitando-se ora das imprecisões que as ciências buscam superar, ora de detratores do livre-pensar, iniciaram toda a sorte de ataques aos princípios e métodos os quais orientam a prática científica contemporânea. Auxiliados pelos delírios de "pensadores pós-modernistas"(1) - os quais atacam a racionalidade - retomaram velhas querelas. Dessas querelas a preferida é a teoria da evolução de Charles Darwin (embora não apenas). Em suas últimas versões atacam os métodos de datação radiativa (dos quais depende parcialmente a teoria da evolução), empregados amplamente pela comunidade científica internacional, utilizando-se de expedientes retóricos tais como: os métodos de datação são imprecisos, conclusão: a versão criacionista está correta! Os métodos de datação quando comparados apresentam discrepâncias, conclusão: a perspectiva criacionista está correta! Existem "evidências" (quais? conseguidas sob quais condições? estudadas por quem? quando? onde? como?) as quais contraditam as teorias contemporâneas, conclusão: a perspectiva criacionista está correta! E seguem acusando a comunidade científica internacional de um imenso complô contra o pensamento religioso. "Evidências"? As ciências não comprovam nossas crenças, logo estão erradas! E como estão erradas e continuam as suas pesquisas, estão em complô contra a religião!
De modo curioso utilizam os mesmos métodos os quais atacam para "comprovar" que a sua versão está correta! Ou seja, as ciências estão erradas porque seus métodos são imprecisos e não confiáveis, mas quando "comprovam" seus artigos de fé, então os mesmos métodos desqualificados passam a ser válidos e, não apenas localmente, mas universalmente válidos.
Este tipo de argumentação, falaciosa, utiliza o expediente de recortar das teorias e métodos científicos somente o que se conforma à crença preestabelecida acusando as ciências de fazer o que estão fazendo. Uma junção de viés, desqualificação e boneco-de-palha (falsos alvos). E, claro, são as ciências que possuem má-vontade para com as crenças religiosas porque não as comprovam - contrastando com o argumento reiteradamente utilizado: fé não se prova; apenas se acredita ou não!
Se não são passíveis de comprovação por que atacar as ciências? Porque quanto mais avançar a racionalidade tanto menos plausível parecerá a improvável fé fundamentalista. Portanto, eis o inimigo: a racionalidade científica.

(1) Cf. SOKAL, Alain & BRICMONT, Jean. IMPOSTURAS INTELECTUAIS: O abuso da Ciência pelos filósofos pós-modernos. RJ: Record, 1999.

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