domingo, 31 de agosto de 2008

O islã e a ciência

O islã divide a opinião dos historiadores quanto aos motivos que levaram uma das superpotências científicas do mundo medieval a desaparecerem. Basta clicar no título do post para ler a interessante matéria sobre essa controvertida questão histórica.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Budismo: filosofia ou religião?

Tenho um aluno cuja mãe é budista. Em uma de minhas aulas surgiu amistosamente a questão sobre o budismo ser ou não uma filosofia. Reproduzo a seguir um fragmento de um blog que divulga as idéias budistas. Espero que ajude a entender por que muitos vêem em idéias assim muito mais uma filosofia do que uma religião. Contudo o budismo é definido simultaneamente como: religião, filosofia e uma ciência psicológica. Vide: http://www.dharmanet.com.br/intro/dharma.php


Os Dez Preceitos:

1. Panatipata veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de destruir criaturas vivas.

2. Adinnadana veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de tomar o que não for dado.

3. Kamesu micchacara veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de comportamento sexual impróprio.

4. Musavada veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me da linguagem incorreta.

5. Suramerayamajja pamadatthana veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de bebidas e drogas intoxicantes que conduzem à desatenção.

Os cinco primeiros preceitos são recomendados para os leigos.

6. Vikalabhojana veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de comer nos horários proibidos (isto é, após o meio dia) ( hoje apenas na escola Theravada)

7. Nacca-gita-vadita-visuka-dassana veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de dançar, cantar, ouvir música, ver espetáculos de entretenimento.

8.Mala-gandha-vilepana-dharana-mandana-vibhusanatthana veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de usar ornamentos, usar perfumes, e embelezar o corpo com cosméticos.

9. Uccasayana-mahasayana veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de deitar em leitos elevados ou luxuosos.

10. Jatarupa-rajata-patiggahana veramani sikkhapadam samadiyami
Eu tomo o preceito de abster-me de aceitar ouro e prata (dinheiro).

Fonte: http://bossazen.blogspot.com/2002_03_01_archive.html

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

COMPORTAMENTO

Como filósofo e cientista social preocupo-me com o comportamento, em especial com o comportamento daqueles e daquelas que estarão à frente do nosso país. Nessa reportagem a Revista IstoÉ Independente demonstra o novo perfil de alguns estudantes universitários no Brasil.



É faculdade, mas parece colégio
Imaturidade emocional e despreparo intelectual dos alunos fazem as universidades se comportarem como escolas

Por CLAUDIA JORDÃO E VERÔNICA MAMBRINI (Edição 2023 - 11/08/2008)


MÃES A POSTOS

Na faculdade, notas, faltas e trabalhos são vigiados pelos pais, alunos chegam atrasados, conversam durante a aula e colam na prova. Educadores, por sua vez, distribuem advertências, expulsam de classe, ligam para os familiares e agendam reuniões de pais e mestres. Há cinco anos, relações nesse nível, envolvendo professores, estudantes e seus respectivos responsáveis, eram exclusividade do ensino médio. Hoje, no entanto, esse é o tom em muitas faculdades privadas Brasil afora. E não é apenas a falta de preparo emocional que leva o clima de colegial para os corredores da faculdade. Os calouros chegam com déficit de aprendizado e várias instituições têm oferecido disciplinas como português, matemática e informática com conteúdo do ensino médio. Situações como essas mostram que a universidade está deixando de trazer consigo a simbologia de rito de passagem da adolescência para a vida adulta e se transformando numa continuação do colégio.

"Percebemos que os alunos chegam cada vez mais jovens, imaturos e com problemas de formação básica", atesta a professora Vera Lúcia Stivaletti, pró-reitora de graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Com a chegada desse "novo jovem", a educadora adaptou a instituição. Desde 2007 ela recebe pais para visitas guiadas ao campus e oferece aulas de português, matemática, informática e biologia. A resposta tem sido positiva. "Quando minha mãe veio para a reunião, meus colegas disseram que eu deveria ficar com vergonha. Mas eu acho legal", confessa Gabriela Schiovan, 17 anos, aluna de psicologia. Sua mãe, Sandra, 47, monitora as notas da filha. "É preciso complementar a faculdade", considera.


BÊ-Á-BÁ Curso superior ensina aluno a ler, escrever e fazer contas

Em instituições como a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, a participação paterna é incentivada antes mesmo do vestibular. Há seis anos ela organiza o "ESPM Experience", um dia voltado para o debate de cursos e mercado de trabalho. "Depois que os alunos são aprovados, organizamos reuniões com os pais e professores", diz Alexandre Gracioso, diretor nacional de graduação da ESPM. Lá e na Fundação Educacional Inaciana, em São Bernardo (SP), os pais são bem-vindos inclusive no dia do vestibular. Enquanto os alunos fazem a prova, eles vivenciam uma "inclusão acadêmica", com visita monitorada, palestras sobre o curso, carreira e mercado de trabalho. "Tentamos mostrar que aqui tratamos o aluno como um futuro profissional", diz Rivana Marino, vice-reitora de Extensão e Atividades Comunitárias. Mas essa participação tem limites. "Muitos pais ligam para saber de notas, mas acho isso prejudicial para os filhos", diz Gracioso, da ESPM.

Ao mesmo tempo que lidam com a imaturidade emocional, as universidades enfrentam o problema do despreparo intelectual. Grande parte dos alunos de primeiro ano chega ao ensino superior sem condições de aprender as novas disciplinas. O problema atinge principalmente jovens vindos de escolas públicas que vão para faculdades privadas inauguradas na última década. De 1997 a 2003, o ensino superior privado no País viveu um boom. Nesse período, o total de novos alunos cresceu 150% - de 392 mil para 1 milhão. Migraram para essas novas instituições jovens que não pontuavam em universidades públicas ou particulares de tradição. A solução foi criar, em caráter obrigatório e extracurricular, aulas com conteúdo de ensino médio. Na prática, transferiuse para o curso superior o problema da péssima formação do aluno.

A Faculdade Alfacastelo, em São Paulo, abriu as portas em 2000 e há três anos dá aulas de nivelamento, como é chamado esse reforço. Durante o primeiro ano, os calouros chegam 50 minutos antes para aprender gramática, interpretação de texto e matemática. "Vejo problemas básicos, como alunos que não sabem regra de três", diz Celso Britto, diretor institucional. O Centro Universitário Celso Lisboa, no Rio, também investe no resgate de disciplinas do ensino médio. Segundo Bruno Corrêa, coordenador de vestibular, as aulas, que ocorrem desde o início de 2007, reduziram o índice de trancamento dos cursos. "As desistências atingiam 30% das matrículas do primeiro para o segundo período", conta. O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Ronaldo Mota, reconhece a má qualidade do ensino no País e apóia essas iniciativas. "Sei de casos em que o déficit de ensino foi superado", afirma. Vale lembrar: oferecer aulas de nivelamento (ou adaptação pedagógica) conta pontos para as instituições que as oferecem em avaliações do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

domingo, 24 de agosto de 2008

O que é metafísica e qual a sua importância no pensamento filosófico?

Para quem ainda não entendeu o que é Filosofia, eis um texto cuja abordagem poderá auxiliar na compreensão da metafísica - cerne do pensamento filosófico. Embora muitos tenham decretado, ao longo dos tempos modernos, a morte da metafísica, ei-la com toda força a nos desafiar com as questões básicas desde os primórdios da humanidade. Para ler o artigo basta clicar no título do post.

sábado, 23 de agosto de 2008

Humor antidogmático

O colega Desidério Murcho, professor de filosofia na Universidade Federal de Ouro Preto, traduziu um texto do filósofo inglês D. H. Mellor, sobre a importância do humor no pensamento filosófico. O texto propõe uma reflexão necessária em uma época onde os obscurantismos travestidos de seriedade assomam por todos os lugares.


8 de Agosto de 2004 · Filosofia

Absurdo, humor e filosofia
D. H. Mellor
Universidade de Cambridge

Disse o bispo Berkeley em 1710, na introdução a Princípios do Conhecimento Humano:

Em geral, inclino-me a pensar que a maior parte, senão a totalidade, das dificuldades a que até agora os filósofos têm achado graça, e que bloquearam o acesso ao conhecimento, se devem inteiramente a nós mesmos — primeiro levantamos a poeira e depois queixamo-nos que não conseguimos ver (Introdução, § 3).
Estes comentários de Berkeley parecem-me hoje em dia tão verdadeiros como o eram em 1710. Na verdade, a situação é em alguns aspectos pior hoje do que então. Para começar, é demasiado raro que os filósofos hoje achem graça às dificuldades que bloqueiam o acesso ao conhecimento. E deviam achar graça, porque a filosofia tem de lidar, entre outras coisas, com os limites do que faz sentido: isto é, com a fronteira entre o que tem e o que não tem sentido, que é o próprio âmago do humor. Tomemos este exemplo de Alice no Outro Lado do Espelho, de Lewis Carroll:

— Por quem passaste na estrada? — continuou o Rei, estendendo a sua mão para o Mensageiro para lhe dar mais algum feno.
— Por ninguém — disse o Mensageiro.
— Exactamente — disse o Rei. — Esta rapariga também o viu. Portanto, é claro que Ninguém anda mais devagar do que tu.
— Faço o meu melhor — disse o Mensageiro num tom mal-humorado. — Tenho a certeza de que ninguém anda muito mais depressa do que eu!
— Ele não poderia andar mais depressa — disse o Rei —, senão teria chegado cá primeiro. (Capítulo VII)
Só um filósofo vê por que razão isto é engraçado, só um filósofo vê por que razão não faz sentido falar de Ninguém como se ele e ela (Ninguém é ao mesmo tempo do sexo masculino e feminino...) fosse um ser de um tipo qualquer. A razão, é claro, é que apesar de a palavra "Ninguém" parecer o nome de um ser, não é de facto de modo algum um nome: é um modo de dizer que não havia qualquer ser que andasse mais devagar ou mais depressa do que o Mensageiro. Ora bem, isto é um exemplo bastante trivial de análise filosófica, que qualquer pessoa pode fazer; mas, como veremos, há por aí coisas sem sentido muito mais sérias (e muito mais enganadoras) do que as de Lewis Carroll, que tornam necessária uma análise muito maior para desmascarar e explicar.

Para denunciar o que não tem sentido, contudo, temos primeiro de o descobrir; temos de ter uma sensibilidade especial ao que não tem sentido. E, como Ramsey disse sobre a proposta de Wittgenstein de que a própria filosofia é destituída de sentido, "temos então de levar a sério que não tem sentido, e não fingir, como Wittgenstein, que é um sem sentido importante" (Ramsey, "Philosophy" (1929), in Philosophical Papers, 1990). Ora bem, eu não penso que a filosofia é destituída de sentido, mas penso que inclui levar a sério o facto do sem sentido e dizer por que razão é destituído de sentido. Para isso, contudo, precisamos de achar graça às piadas como a do Ninguém, e de distinguir a atitude de as levar a sério da atitude de fingir que são importantes. Mas nem todos os filósofos acham graça. Receio que alguns não tenham o sentido de humor sério, nem uma sensibilidade especial ao que não tem sentido, de que a boa filosofia precisa. E isso é um defeito muito sério. Pois sem uma sensibilidade especial ao que não tem sentido, os filósofos correm um risco muito real de dizerem eles próprios coisas sem sentido, e (ao contrário de Lewis Carroll) de se persuadirem a si mesmos e aos outros de que se trata de um sem sentido importante.

Nada disto teria muita importância se a filosofia fosse lida e avaliada apenas por outros filósofos, como acontece com a matemática e os matemáticos que, em termos gerais, conseguem perceber quando os seus colegas estão a dizer coisas sem sentido. Mas não o é, ainda que talvez o devesse ser, dado que a filosofia, como a matemática, não é realmente um espectáculo que atraia mais espectadores do que praticantes — ou seja, a filosofia não é como a poesia, por exemplo, em que não temos de ser poetas para ajuizar a poesia, ao passo que precisamos de ser um filósofo para ajuizar a filosofia, tal como temos de ser matemáticos para ajuizar a matemática. É claro que a filosofia, como a matemática, é lida por pessoas que lhe são estranhas, que não querem avaliá-la, mas antes confiar nela e usá-la, tal como os físicos usam a matemática. Mas não há muitas pessoas estranhas à filosofia que a queiram para fazer física; na sua maior parte, querem que a filosofia forneça uma espécie de substituto secular para a religião. Por outras palavras, querem que os seus filósofos sejam gurus. E a última coisa que os discípulos querem dos gurus é que tenham sentido de humor; o sentido de humor é contrário ao ar de autoridade que faz os gurus atrair discípulos. Assim, quando os gurus filosóficos levantam poeira ao dizerem coisas sem sentido que parecem importantes, os seus discípulos, longe de se queixarem de que não podem ver, ficam ainda mais impressionados pela obscuridade profunda da visão oferecida. Em filosofia, portanto, tal como na religião e na medicina, um público crédulo dará muitas vezes fama e fortuna aos adoradores de mistérios.

Que tem tudo isto a ver com a filosofia analítica? Bem, para usar a metáfora de Berkeley, a análise filosófica é, como até o meu exemplo trivial ilustra, uma espécie de sistema de rega aérea, cuja função é lavar o pó conceptual que obscurece a nossa perspectiva do mundo. Este é na verdade um dos seus objectivos principais: detectar e dissipar os mistérios quiméricos que o sem sentido gera, como o pequeno mistério de Lewis Carroll sobre Ninguém, para que os verdadeiros mistérios do mundo possam ser mais claramente vistos e desse modo — espera-se — mais bem apreciados e compreendidos.

Neste sentido, a boa filosofia sempre foi analítica. A análise é mais uma questão de técnica do que doutrina, e é tão óbvia em Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Leibniz, Kant e Mill como em qualquer filósofo analítico moderno. Se há algo que distingue a chamada filosofia analítica, é que não se limita a usar técnicas analíticas, preocupando-se também explicitamente em desenvolvê-las e avaliá-las: não, é claro, como fins em si, mas como meios para a compreensão filosófica. Mas não, é claro, como o único meio, dado que um analista precisa sempre de material não analítico para analisar. A análise não pode fornecer uma filosofia completa por si, tal como — por exemplo — a democracia não pode fornecer uma política completa: porque, como é óbvio, aceitar o princípio do governo da maioria não nos diz em quem ou no que votar, ou porquê. Nenhum democrata político, por outras palavras, pode ser apenas um democrata; e do mesmo modo, nenhum analista filosófico pode ser apenas um analista. Isto não é negar, é claro, a importância da análise, nem a importância da democracia; nem negar que pode entrar em conflito com o sem sentido filosófico (como o ser de Ninguém), tal como a democracia pode entrar em conflito com o sem sentido político (como o estado de partido único).

Mas ao passo que toda a gente pode sentir que a democracia é importante, e pode mais ou menos ver porquê, é menos óbvio para não filósofos por que razão a análise filosófica é importante. Se a filosofia em geral não é um desporto que atrai mais espectadores do que praticantes, o que pode a filosofia analítica em particular oferecer ao resto da sociedade? Bem, eu poderia dizer, para começar, que oferece, porque exige e encoraja, um temperamento socialmente desejável. Ter sensibilidade ao destituído de sentido não é um ponto forte só na filosofia. O sentido de humor, e portanto das proporções, é um antídoto poderoso ao fanatismo político e religioso. Uma insistência na compreensão discursiva explicita onde esta pode ser alcançada, por contraste com intimações obscuras à argúcia inefável, é um grande dissuasor de todos os tipos de charlatanismo. Um comprometimento com a verdade, e portanto com a fundamentação das nossas crenças em indícios e não no sonhar alto (por mais elevados que sejam os sentimentos), é essencial não apenas para a boa ciência, mas para todas as tentativas sérias de adquirir conhecimento e compreensão sobre seja o que for, incluindo nós mesmos. E a sensibilidade à razão que a análise gratifica ajuda a combater uma tendência recorrente para elevar a sensibilidade às custas da razão, como se estas fossem opostas, e como se não precisássemos de ambas.

A sociedade, contudo, não está apenas em dívida para com o temperamento que a filosofia analítica promove. Também os resultados da análise tiveram muitos usos fora da própria filosofia, apesar de eu não desejar exagerá-los nem aceitar que fornecem a sua justificação principal: a filosofia, como a matemática, tem um valor próprio, independente das suas aplicações. Mesmo assim, essas aplicações são realmente extraordinárias: da invenção dos computadores (com base em análises dos conceitos de demonstração e verdade matemática) aos debates sobre o aborto, que dependem dos conceitos de vida e de humanidade, cuja análise é demasiado importante para ser deixada a pessoas que têm objectivos religiosos particulares (ou anti-religiosos).

Mas além de tudo isto penso que a filosofia analítica serve a sociedade mais evidentemente quando aumenta a nossa compreensão clarificando conceitos que dizem respeito a toda a gente, sejam ou não filósofos.


Tradução de Desidério Murcho
Texto retirado da obra Matters of Metaphysics (Cambridge University Press, 1991), pp. 1-4.

domingo, 10 de agosto de 2008

Irresponsabilidade e Desfaçatez

Em 1979 o filósofo alemão de origem judaica, Hans Jonas, escreveu sua obra magna: O Princípio Responsabilidade: Ensaio para uma Ética da Civilização Tecnológica - felizmente com tradução em português. Segundo Hans Jonas as éticas tradicionais não vão além do imediato, das relações de proximidade, enquanto a civilização tecnológica, a qual constituímos, alcança toda a biosfera, todas as relações vitais no planeta. Jonas já alertava (ele faleceu em 1993 aos 90 anos) quanto ao perigo constante de as ações humanas tornarem-se destrutivas em escala planetária. Em escala micro-planetária, isso é, em escala humana já observamos os resultados. Por exemplo, desde 2006 várias cirurgias vêm apresentando contaminação por micro-bactérias resistentes às assepsias convencionais. Somente nesse ano (2008) as associações de cirurgiões começaram a tomar providências - pressionados, principalmente, pela ANVISA. Em entrevista em um programa de alcance nacional várias associações médicas afirmaram estar tomando providências. Desde quando áreas vitais podem dar-se ao luxo de não ampliarem constamente as condições de higiene quanto aos utensílios de suas práticas? A desfaçatez de plantão provavelmente evocará as novas bactérias e vírus a desafiarem novas técnicas de assepsia. Mas não é o caso. As micro-bactérias que tem contaminado várias pessoas já são conhecidas. As condições de assepsia e que vêm se deteriorando, enquanto o lucro típico de nossa sociedade cínica aumenta geometricamente.
Parece-me que Hans Jonas tinha razão. A sociedade tecnológica com seus códigos de ética-profissionais não alcança a sensatez necessária para a manutenção da saúde em um sentido mais amplo. Irresponsabilidade e desfaçatez assombram a face do planeta em todas as áreas e profissões. Até quando? Parafraseando uma questão moderna: seremos responsáveis o suficiente?
Fica a sugestão: leiam O Princípio Responsabilidade e vivam responsavelmente pelo bem do planeta, em geral, e da vida humana, em particular.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

O que é um filósofo?

O amigo e professor Desiderio Murcho (Universidade Federal de Ouro Preto - MG) escreveu uma interessantíssima reflexão sobre o ser filósofo. Assim como um outro colega, professor José Gonçalo Armijos Palácios (Universidade Federal de Goiás), o prof. Desiderio pensa ser o filosofar muito mais modesto e afim do cotidiano do que o estereótipo do qual a filosofia tem sido revestida ao longo dos tempos.


O que é um filósofo?
Desidério Murcho

Este fim-de-semana fui colocado perante um infelizmente bem conhecido dilema pela directora da revista "Os Meus Livros", de que sou colaborador: "O que ponho junto à tua fotografia? Ensaísta? Escritor?" Pois. Um licenciado em matemática é um matemático, ainda que nunca tenha descoberto um único teorema original; alguém escreve 100 páginas chorosas sobre dores de alma infantis e é um romancista ou um poeta; uma pessoa pespega meia dúzia de tintas numas telas ralas e é um pintor; mas alguém com formação em filosofia, autor de artigos e livros de filosofia... nunca é um filósofo. Penso que a confusão conceptual que provoca este estado de coisas é significativo e é disso que quero falar-lhe.

Se me apresentar como filósofo ao homem da rua, ele pensará que sou um diletante, um pretensioso francamente ridículo. Mas o mesmo homem da rua admite que eu possa ser um poeta, um romancista, um matemático ou um pintor. Estamos perante dois critérios bem distintos. No que respeita ao romancista, ao matemático, ao pintor, o homem da rua sabe distinguir os muito importantes, com trabalho de valor original que se perpetua pelos séculos, da imensidão de outros, que todavia ainda merecem o títulozinho. Mas no que respeita aos filósofos, tal distinção não parece existir; para o homem da rua ou se é Platão, ou não se é filósofo, apesar de nem todos os matemáticos serem Fermat nem todos os pintores Picasso.

Penso que a razão de ser desta disparidade é o atraso cultural. O homem da rua está habituado à presença de matemáticos, pintores e poetas modestos; mas desconhece a existência de precisamente o mesmo tipo de pessoas modestas que fazem filosofia e portanto são filósofos, apesar de estarem longe de serem filósofos originais de perfil universal como Aristóteles. Este é mais um reflexo infeliz de um sistema educativo atrasado que impede o contacto das pessoas com a filosofia tal como ela é realmente feita por esse mundo fora. A filosofia surge como uma coisa estranha, distante, do passado, envolta em mistério e brumas — e portanto definir-me como filósofo só poderia ser um gesto de vão pretensiosismo. É esta mesma estrutura mental que não permite distinguir a filosofia da história da filosofia — pois a filosofia é algo de tão transcendente e estranho que só semi-deuses míticos e distantes a podem realmente fazer, restando-nos as soporíferas histórias da filosofia aos quadradinhos que nos vendem na escola.

O que há de grave neste estado de coisas, é que a filosofia tem um papel cada vez mais activo no desenvolvimento das ciências e na compreensão da vida pública. Não é possível compreender cabalmente a economia e as suas opções, nem as matemáticas ou as neurociências, sem uma formação mínima em filosofia — nem é possível compreender os fundamentos das religiões ou da arte, nem é possível encontrar respostas criativas e satisfatórias para os problemas da bioética, sem uma boa formação em filosofia. Assim, estranhar que possa haver filósofos que não se vestem de toga e não morreram há mais de um século num país distante, é um sinal seguro de que o caminho a percorrer para o desenvolvimento cultural do país é ainda longo.