quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O que é Fenomenologia?

Em 1996 elaborei esse pequeno ensaio como resposta a uma prova realizada no curso de Filosofia na Universidade Federal de Goiás. Eu estava no último ano do curso de graduação. Reproduzo o ensaio aqui porque pode auxiliar a quem pretenda entender melhor a construção de textos filosóficos.

1. Todo o projeto fenomelógico husserliano repousa sobre a recusa sistemática quanto à cumplicidade em relação à atitude natural - justamente porque estamos "imersos" no mundo e os pressupostos de nosso pensamento, enquanto evidentes, nos ofuscam.

2. Assim, o distanciamento de todo e quaisquer julgamentos se faz necessário para se compreender a gênese de todo o sentido do mundo - sentido originário -, o qual nós (consciência) constituímos.

3. Com a redução fenomenológica (epoché) - a suspensão da atitude natural - desvela-se o resíduo fenomenológico que é a consciência. Desvela-se que toda consciência é consciência de algo (toda consciência é intencionalidade, pois se dirige para algo) -, que o mundo material precede toda consciência, mas não é o fundamento da consciência, a consciência se inicia com o mundo, mas não se reduz ao mundo.

4. A partir da atitude fenomenológica de suspensão da atitude natural, nossa relação com o mundo não será mais a relação cúmplice e irrefletida, mas a atitude fenomenológica de descrição de todo e qualquer fenômeno, seja esse físico, psicológico, histórico, ideológico, ficcional (imaginário), onírico, rememorativo ou afetivo, ou seja, é a consciência que constitui o sentido do mundo. O mundo não é mundo sem uma consciência a qual se dirija para ele e o constitua enquanto mundo. Nossa relação com o mundo é a relação (qua atitude fenomenológica) de surpresa, reencantamento se se preferir; desvelamos um olhar para esse mundo e percebemos que não víamos o mundo antes da redução - éramos cegos e não sabíamos.

5. O desvelamento do mundo nos ensina também que o sentido desse mundo, constituído pela consciência, é transbordamento, irredutível a uma mera conceptualização racionalista (representacionalista) como a tradição cartesiana e kantiana insistiam em fazer.

6. E eis a nos depararmos com outra importante lição da redução fenomenológica: ela, que desvela o nosso olhar criativo, dinâmico, não é uma redução absoluta porque não somos uma consciência absoluta. Percebemo-nos como existentes, finitos, e talvez, pela primeira vez compreendamos a riqueza desse mesmo mundo, dessa mesma consciência, dessa dialógica transcendental, plena de nuances, viva, incomensurável.

7. Com a redução fenomenológica aprendemos que somos consciência de mundo (a consciência se dirige sempre para o mundo), que é a consciência que constitui as essências (fenômeno / objeto / noema). Que a consciência é intencionalidade (que se apresenta em muitas modalidades: reflexão, rememoração, sonho, imaginação, percepção, afetividade, intuição), que a subjetividade é objetiva, pois se dirige para o mundo (transcendental), ou mais bem dito, que a intersubjetividade é a única objetividade - que diferentes consciências constituem o real em uma trama de significados e modalidades de constituição, e é por isso, porque somos consciências encarnadas, constituintes do significado do mundo, que somos livres, pois, constituímos livremente - somos condenados à liberdade, diria Sartre. Somos condenados à liberdade de constituirmos livremente, diria Husserl.

8. Já não é mais possível nos colocarmos no mundo como se esse fosse um em-si, impermeável à consciência (realismo), ou como se o mundo fosse tão somente a idéia que dele fazemos (idealismo), pois, "o mapa não é o território" (Cf. KOZIRBSKY, Alfred. Science and Social Sanity, N.Y. Press, 1953).

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